Folha de S. Paulo


Start-up dos EUA faz empréstimo com base na fidelidade de clientes

Para os moradores de Ypsilanti, Michigan, o Beezy's Cafe parece um negócio próspero. O restaurante e café criado seis anos atrás lota no café da manhã e almoço, tem 16 funcionários, gerou uma sucessão de críticas muito positivas no Yelp por seu "espírito hippy" e equipe "superamistosa", e recentemente estendeu seu horário de funcionamento para servir jantares às sextas-feiras e sábados.

Mas para os bancos, trata-se de um negócio arriscado e sem grandes atrativos. O Beezy's Cafe é lucrativo apenas de modo intermitente, e a maioria do caixa que o restaurante gera é usado para mantê-lo operando.

Bee Roll, a fundadora do estabelecimento, não tem caução a oferecer para um empréstimo ou linha de crédito: mora de aluguel, e o local e parte do equipamento do restaurante também são alugados. Quase tudo que a casa contém - o que inclui as ecléticas obras de arte locais expostas nas paredes - foi encontrado, emprestado ou trocado.

A coisa mais valiosa que o Beezy's Cafe tem são seus fiéis fregueses. Agora, em uma experiência inovadora de empréstimo, o local está testando um novo sistema para quantificar a devoção dos fregueses e fazer dela um ativo passível de monetização.

O café é a primeira cobaia para a ZipCap, uma empresa iniciante de San Diego com um novo modelo de empréstimos chamado de "capital de fidelidade". O objetivo é oferecer a pequenas casas de varejo como restaurantes e butiques, e a prestadores de serviços, empréstimos a juros baixos financiados por investidores que tenham interesse indireto em apoiar a economia local.

No coração do sistema da ZipCap está a ideia de que os comerciantes de sucesso contam com uma rede de fregueses constantes e fortemente conectados aos seus negócios locais favoritos. Compradores como esses, dispõe a teoria, podem ser encorajados a dar a essas empresas uma fonte de receita previsível - uma fonte que, se documentada e rastreada, oferecerá a instituições de crédito um quadro razoável sobre a capacidade da empresa para pagar um empréstimo.

Os comerciantes que usam o ZipCap começam recrutando um "círculo" de fregueses fiéis que se comprometem a gastar dada quantia em dinheiro por dado período. A ZipCap então totaliza essas promessas e permite que a empresa tome empréstimos no valor de uma fração desse total.

Para serem elegíveis para empréstimos, as empresas precisam estar operando no mesmo negócio e local por pelo menos dois anos, e recrutar pelo menos 100 integrantes para seu o seu círculo de fregueses. Os participantes pagam à ZipCap uma taxa mensal de US$ 99 (R$ 310) ou 2,5% do valor das transações dos membros do círculo de fregueses, o que for menor.

No Beezy's Cafe, Roll registrou 130 integrantes para o círculo de fregueses da casa. Cada um deles se comprometeu a gastar US$ 475 (R$ 1.490) anuais no restaurante. Em março, ela se tornou a primeira recipiente de um empréstimo da ZipCap, obtendo um crédito de US$ 10 mil (R$ 31 mil) com prazo de 12 meses e juro anual de 3,99%.

O juro baixíssimo é muito inferior ao praticado pelos cartões de crédito ou pelo número crescente de veículos alternativos de empréstimos a pequenas empresas, que oferecem financiamento a empreendedores que não se qualifiquem para empréstimos tradicionais. (Roll conta que dois bancos locais recusaram pedidos de empréstimo.)

Segundo Roll, o maior atrativo do ZipCap para ela era a conexão que ajudava a formar entre seu negócio e os fregueses mais fiéis da casa.

"Quero acesso a dinheiro de baixo custo, para que possa continuar a fazer coisas boas pela comunidade", ela disse. "Quando comecei a explicar o conceito do compromisso, as pessoas comentavam que, se aquilo fosse me ajudar, ótimo, queriam participar. Isso torna muito claro o quanto o apoio das pessoas é vital para nós. Há confiança, e um relacionamento persistente".

Evan Malter, fundador e presidente-executivo da ZipCap, considera o aspecto do relacionamento tão importante quanto o "dinheiro a baixo custo", no sistema da ZipCap. "Queremos que as pessoas vejam o impacto que podem ter sobre a economia local", ele disse. "Quando um cliente sente ter contribuído para o sucesso de um negócio, se sente mais conectado a esse negócio e mais impelido a frequentá-lo".

O modelo incomum de empréstimo da ZipCap, disse Malter, emergiu de seu desejo de resolver problemas que encontrou nas demais opções de financiamento a pequenas empresas, especialmente taxas de juros altas a ponto de ele considerá-las predatórias. Também resultou de tentativa e erro.

Malter inicialmente imaginava criar tipo muito diferente de negócio: um site de crowdfunding para capitalização de empresas, que ajudaria proprietários de negócios a levantar dinheiro junto a seus clientes. Mas quando mais ele descobria sobre como opera o comércio local, menos ele gostava da ideia.

As margens de lucro magérrimas deixam pouco espaço aos investidores para lucro, ele percebeu, e os sistemas de contabilidade dos comerciantes são muitas vezes bagunçados e improvisados, "A maneira pela qual um dono de pizzaria opera seu negócio é algo sobre o qual é muito difícil obter informações, e ainda mais no caso de um site de crowdfunding", ele disse.

Por isso, retomou a ideia do zero, e se concentrou em questões que muitas vezes impedem que os pequenos empresários obtenham empréstimos de custo acessível: a falta de caução e a lucratividade baixa (ou inexistente). "Ao empregar a fidelidade do consumidor como caução e ativo, estamos criando um sistema de contas a receber que gera um fluxo de faturamento para tipos de empresas que, de outra forma, não teriam faturamento previsível algum", disse Malter.

A questão em torno da qual todo o modelo gira é a confiabilidade das promessas de gastos dos fregueses. A ZipCap tem 10 empresas de Michigan em diferentes estágios de um programa piloto e está rastreando o cumprimento das promessas de gastos dos membros de seus círculos de fregueses. No Beezy's Cafe, passados cinco meses, 117 membros estão cumprindo sua promessa.

Nove já o fizeram e renovaram o compromisso por mais um ciclo de US$ 475 em gastos. Um membro abandonou o círculo de fregueses e 12 estão aquém da meta.

Quando Stewart Beal, morador de Ypsilanti há 12 anos, em uma casa a quatro quarteirões do restaurante, ouviu falar do programa, ele e a mulher imediatamente assinaram. Ele gosta do club sandwich de frango servido na casa, e ainda mais do papel que o Beezy's Cafe desempenha no bairro.

Beal, que administra uma imobiliária e construtora, realiza reuniões no café frequentemente, e sua mulher costuma passar por lá com a filha de dois anos de idade do casal. Ele disse que era ótimo ver um edifício antes abandonado transformado em polo econômico local.

"Sou empreendedor", disse Beal. "Já tomei dinheiro emprestado, e em alguns momentos tive dificuldade para isso. Por isso compreendi a lógica de imediato. A ideia pode funcionar muito bem para empresas como essa, que contam com o apoio da comunidade".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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