Folha de S. Paulo


Outorga: especialistas mostram prós e contras de cobrar entrada em licitação

A situação fiscal do país levou o governo a mudar o modelo de concessão em parte dos projetos do novo pacote, o que pode reduzir a sua atratividade, dizem especialistas.

Os novos leilões de ferrovias, portos e aeroportos devem considerar também o critério de maior valor de outorga, uma espécie de aluguel pago ao Estado. Até agora, as privatizações do governo petista foram marcadas pelo critério de menor tarifa.

INFRAESTRUTURA
Plano de investimento interrompe marasmo

"A outorga é como se fosse um cheque pago pelo licitante, uma antecipação do valor que ele vai arrecadar no futuro e que tem como origem o capital próprio ou de terceiros", afirma Bruno Pereira, coordenador do PPP Brasil (Observatório das Parcerias Público-Privadas).

Esse pagamento antecipado tem impacto financeiro no projeto, se comparado ao modelo do vencedor pela menor tarifa. E, em momentos de crise, pode reduzir o interesse do setor privado.

Além de precisar desembolsar um valor na entrada, demandando caixa ou financiamento, a outorga acaba resultando em tarifas mais altas, trazendo o risco de redução na demanda pelo serviço.

"O licitante vai compensar no valor da tarifa", diz Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral.

Para ele, a outorga não prejudica a atratividade do projeto se o ambiente não é hostil a tarifas mais altas –o que não é o caso do Brasil, principalmente após a modicidade tarifária dos últimos anos.

Por outro lado, o pagamento da "entrada" seleciona os concorrentes. "Esse modelo desestimula aventureiros e demanda grupos mais estruturados financeiramente", diz Pereira, do PPP Brasil.

"Apenas pela menor tarifa, o leilão acaba atraindo mais especuladores e fica difícil cumprir o contrato. Com a outorga, a tendência é atrair empresas mais sérias", diz Wilen Mantelli, presidente da ABTP (Associação Brasileira dos Terminais Portuários).

Segundo ele, o modelo foi bem recebido pelo setor. Como os maiores terminais já foram leiloados segundo esse critério, a volta da outorga garantirá isonomia.

Luiz Fayet, especialista em logística e consultor da CNA (Confederação Nacional da Agricultura), destaca que é importante ter isonomia também entre a renovação de concessões e as novas licitações, sobretudo no caso dos terminais portuários. "Caso contrário, vamos prejudicar as novas concessões", afirma.

DIRETO PARA O CAIXA

A principal queixa dos especialistas refere-se ao destino dos recursos arrecadados, que, em vez de ajudar a cumprir a meta de ajuste fiscal, deveriam ser aplicados em projetos pouco rentáveis e com menor capacidade de atrair o interesse do setor privado.

"Sabemos que o pagamento de outorga não é para reinvestimento, mas para fazer caixa, o que agrava a insatisfação do usuário. Ele sabe que isso não será revertido a seu favor", acrescenta Resende.

Pelo contrário: como os leilões têm uma tarifa teto definida, a tendência é o concessionário faça apenas o "dever de casa", ou seja, o que está previsto em contrato, e invista menos em melhorias, diz o especialista da Dom Cabral.

"O governo está tentando resolver um problema conjuntural [ajuste fiscal e recessão] usando um contexto estrutural. Isso, infelizmente, não dá certo", diz Resende.

Editoria de Arte / Folhapress


Endereço da página:

Links no texto: