Folha de S. Paulo


Fábrica que já cortou jornada diz que governo erra o alvo com PPE

Jorge Araujo/Folhapress
Saída de trabalhadores da Plascar, em Jundiaí
Saída de trabalhadores da Plascar, em Jundiaí

Antes mesmo de o governo criar o programa de proteção ao emprego na segunda-feira (6), a Plascar, maior fornecedora de painéis, para-choques e autopeças para carros e caminhões, reduziu os salários e a jornada de 3.000 trabalhadores para evitar a demissão de 800 pessoas.

Adotada em junho nas unidades de SP (Jundiaí e Campinas) e MG (Varginha e Campinas), a medida foi negociada com sindicatos locais e aprovada em assembleias. Em troca do corte de 10% no holerite e 15% na jornada, os funcionários terão garantia de emprego por seis meses.

O acordo feito pela Plascar é semelhante ao PPE (Programa de Proteção ao Emprego), proposto em medida provisória pelo governo, com redução da jornada em até 30% e corte nos salários. A diferença é que, no caso do PPE, parte do salário é bancada pelo governo com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador.

Conforme a Folha mostrou emreportagem publicada na terça-feira (7) duas montadoras da região do ABC, a Mercedes-Benz e a Volkswagen, podem ser as primeiras a adotarem o PPE, segundo o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (filiado à CUT).

Editoria de arte/Folhapress

ALVO ERRADO

"Ninguém quer corte no salário, nem o empresário, nem o trabalhador. O governo deveria estudar medidas para incentivar a produção, reduzir custos, diminuir impostos. Lugar de trabalhador é na fábrica, não em casa", diz André do Nascimento, presidente da Plascar no Brasil. Para o executivo, o programa do governo "já nasce equivocado".

"Uma parte das empresas já adota medidas como a redução. Essa crise já era anunciada. Já tivemos 1.500 funcionários em Jundiaí, e hoje temos 1.000", afirma o executivo. "O acordo de redução de salário é o último recurso para evitar a demissão. Demitir custa caro e recontratar depois, quando o mercado reaquece, também impacta no custo das empresas, além do gasto com treinamento e qualificação com os profissionais."

Para Nascimento, o problema é que o ajuste está sendo feito "da porta para dentro das empresas", quando deveria ser feito "da porta para dentro do governo".

"O governo deveria adotar medidas para fazer ajuste em seus gastos, cortando folha, enxugando ministérios, revendo suas despesas. O que assistimos é o ajuste apenas do lado da indústria e da população. O sacrifício sobra para quem perde salário, quem não produz", afirma o presidente da Plascar.

Desde 2014, a queda nas vendas dos fabricantes de veículos se reflete no que acontece dentro da fábrica. A queda nos pedidos varia de 50% a 80%, dependendo da montadora, diz o executivo.

Em Jundiaí, onde trabalham cerca de mil pessoas, a redução no salário modifica hábitos, adia planos e provoca dúvidas entre os funcionários, que conversaram com a Folha sob a condição de não terem sobrenomes revelados.

Jorge Araujo/Folhapress
Saída de trabalhadores da Plascar, em Jundiaí
Saída de trabalhadores da Plascar, em Jundiaí
  • SEM ALTERNATIVA*

"Era pegar ou largar, não teve jeito. Prefiro adaptar o orçamento, ganhar menos do que perder o emprego", diz Ana, operadora de produção há cinco anos na Plascar.

Com um filho de 5 anos, já transferido de uma escola particular para uma pública, e uma dívida da casa própria por um prazo de 18 anos, ela estuda com o marido, empregado em uma pequena indústria do setor plástico, alguma forma de incrementar a renda. "Acho que todo trabalhador desse país tem de pensar no tal do plano B."

"São mil operários só aqui de Jundiaí procurando um bico", brinca o operário João, da ala de pintura, ao se referir ao corte de salários feito na empresa e à jornada reduzida.

Com o fechamento do terceiro turno, que garantia o pagamento de adicional noturno de 40%, João foi transferido para o turno do dia e diz ter sofrido redução na renda "bem maior" que os 10% do acordo feito entre a empresa e o sindicato.

"Na prática ganho R$ 500 a menos, o que faz falta na minha vida e dívidas. Mais do que nunca a gente tenta agora apertar o tal cinto", diz ele.

O salário menor provocou mudanças até no cardápio de sua casa. "Sai a carne, com gasto de R$ 30 o quilo, entra o frango, por R$ 6. Em vez de vir de carro, troquei pela moto. Você vai mudando o que pode."

Já Fernando, funcionário há oito anos na área de injetora, deixou de lado os "rolezinhos" em shoppings com a mulher e os quatro filhos e cancelou pequenas viagens, como a deste feriado.

"Fizemos cortes no lazer da família, no gasto com celular. Estou querendo que minha filha, de 15 anos, entre no programa Aprendiz e comece a trabalhar. Mas, por enquanto, ela só quer estudar."

Fernando diz que o lado bom da redução é passar mais tempo com a família. Pelo acordo feito com a Plascar, os funcionários não trabalham durante duas sextas-feiras por mês. "Mas também não adianta ter mais tempo e não ter dinheiro para proporcionar mais lazer."

Editoria de Arte/Editoria de arte

PLANOS ADIADOS

Se na economia as empresas adiam seus investimentos, no dia a dia, os trabalhadores também retardam os planos. "Adiei a compra de um carro", diz André, cinco anos de empresa.

Solteiro, ele diz que tanto faz ter família ou não, o comportamento é o mesmo: "Se antes saía quatro vezes por mês, agora saio uma. É hora de repensar os gastos, porque não sabemos como estará o mercado daqui a seis meses, um ano."

O reajuste de 8% nos salários, recebido em novembro passado, diz Maria, empregada há quatro anos da Plascar, foi perdido com a redução de 10% nos salários e com a inflação mais alta.

"Meu filho perdeu a vaga no Senai, com isso passamos de uma renda de cerca de R$ 3.000 ao mês para menos da metade. Não há como fazer muitos planos, quando a gente não enxerga que a situação vai melhorar logo."

Ela já vendia bolsas, roupas e tênis para colegas da empresa para melhorar a renda da família. "Até meus clientes sumiram", diz a operária.

O Sindicato dos Plásticos de Jundiaí pretende procurar a Plascar para estudar se o acordo feito em junho pode melhorar com a criação do PPE.

"Se o corte de 10% nos salários puder ser bancado em parte pelo governo, pode ser interessante. O problema é ver isso sair do papel ou pode demorar meses para entrar em vigor, virar algo burocrático, o que pode inclusive prejudicar os trabalhadores", diz João Henrique dos Santos, presidente do Sindiplásticos Jundiaí (Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Material Plástico), filiado à Força Sindical.


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