Folha de S. Paulo


Indústria pornográfica aposta em novas táticas para se financiar

Jason Maskell está tomando chá verde em um café de Londres. O empreendedor, de terno e óculos, acaba de chegar correndo de uma reunião na Câmara dos Lordes. Se isso conjura uma imagem de respeitabilidade, de inclusão na elite, é exatamente o que Maskell deseja.

Pois o empresário é um veterano do setor de entretenimento adulto. Está tentando lançar o adultXfund (AXF), uma plataforma de crowdfunding (financiamento coletivo virtual) para o setor, e está negociando com a Autoridade de Conduta Financeira britânica. Antigo maquiador, ele começou no ramo por acidente, depois de ser contratado para um trabalho em um estúdio que produzia filmes pornográficos. "Isso me conduziu a outras oportunidades de negócios, e as coisas se desenvolveram a partir daí".

Sua visita à Câmara dos Lordes aconteceu como integrante da Aliança para a Política Digital, uma organização multipartidária que representa o setor de Internet e tecnologia, a fim de discutir novas propostas de verificação de idade para setores como os jogos de azar, tabaco, álcool e entretenimento adulto. Fundador da Adult Lifestyle Media Company, que cria conteúdo adulto para aparelhos móveis, a Web e DVDs, Maskell sente que é importante "dizer o que tenho a dizer" sobre o assunto.

A ideia do AXF surgiu depois que uma tentativa de arrecadar fundos para uma operação de produção e distribuição de conteúdo adulto usando uma plataforma convencional de crowdfunding fracassou quando os proprietários do serviço começaram a hesitar. Maskell esperava que o crowdfunding oferecesse fonte de financiamento alternativa aos bancos, que em sua experiência costumam ser altamente temperamentais quando o assunto é emprestar dinheiro a empreendedores de seu setor. No ano passado, ele conta, o banco em que a companhia dele tinha conta decidiu fechá-la. O motivo alegado foram "padrões morais". A moralidade está em alta nas agendas dos bancos desde a crise financeira, ele disse.

Maskell espera que sua plataforma receba luz verde em breve. O objetivo dela é financiar toda espécie de serviços e produtos, de lingerie e brinquedos eróticos, à produção, distribuição e veiculação de conteúdo adulto online.

Os números do setor são na melhor das hipóteses estimativos. A maioria de seus componentes são empresas de capital fechado ou freelancers que não têm obrigação de revelar dados publicamente. Uma pesquisa da Xbix.net, uma organização que acompanha o lado empresarial do setor, estima seu faturamento anual em US$ 5 bilhões em todo o mundo —incluindo vendas e aluguéis de DVDs, assinaturas de sites, vídeos distribuídos a pedido online, webcams ao vivo, filmes para aparelhos móveis, em sistema pay-per-view e para redes de TV por assinatura.

Mesmo assim, o setor sofreu um baque. As vendas e locações de DVDs caíram devido à pirataria e à vasta gama de ofertas gratuitas online. "O mercado evoluiu. O setor de entretenimento adulto vem sendo muito pró-ativo no que tange à inovação. Nos últimos anos, teve de mudar em resposta ao conteúdo gratuito", disse Steve Winyard, vice-presidente do ICM Registry, que controla e fiscaliza o nome de domínio .xxx. Os chamados "sites tube" —sites gratuitos de compartilhamento de vídeos, como o PornHub e YouPorn— dependem pesadamente de conteúdo agregado e da venda de publicidade com base em seu volume de visitantes.

Os empresários que são lucrativos encaram o futuro do setor com otimismo, embora todos concordem em que terão de trabalhar com mais esforço para levar conteúdo ao consumidor. A mídia social, a tecnologia móvel e a expansão a áreas como as webcams ao vivo e os serviços online de encontros (ou mais precisamente, transas) são chave para sustentar a receita. Como outras áreas do mercado editorial e de entretenimento, as perturbações causadas pela tecnologia digital tiveram efeito profundo, e criar marcas fortes é essencial para manter a viabilidade de um negócio. Como no caso da mídia convencional, as perturbações tiveram efeito colateral sobre os valores pagos a fornecedores de conteúdo, no caso, atores e modelos.

"O mercado está saturado; onde antes se podia fazer um filme e vendê-lo, agora é preciso buscar seis ou sete fontes de receita —DVD, online, móvel—, e depois procurar acordos de licenciamento em diferentes países", diz Maskell.

Divulgação
Cena de
"Hot Girls Wanted", série do Netflix, retrata o lado sombrio da busca pela fama na indústria da pornô

"Não é mais como era, mas continua a haver muita gente ganhando rios de dinheiro", observa Mark Spiegler, agente de talentos de estrelas pornô em Los Angeles. Produzir pornografia não é dispendioso", ele acrescenta. "Se você não consegue ganhar dinheiro com isso, é porque não é muito bom na coisa."

Ele trabalhava como operador financeiro autônomo e ingressou no ramo depois que um primo o convidou na investir em um filme que estava produzindo. Ele criou sua agência em 1999 e acredita que as mulheres precisam de agentes porque "sua vida de trabalho é curta", e elas devem maximizar suas oportunidades. A concorrência é feroz, ele diz. "No passado, as meninas caíam no ramo pornô por acaso. Desde que surgiu a Internet, muitas mulheres começaram a assistir pornografia e a sonhar em serem estrelas."

O lado sombrio dessa busca da fama foi retratado recentemente em "Hot Girls Wanted", documentário da Netflix que mostra o lado oculto da indústria da pornografia amadora. O filme acompanha cinco adolescentes que saem de casa em busca de vida nova. Rapidamente elas decaem do entusiasmo à exploração, antes que sejam consideradas como acabadas e substituídas por uma nova leva de entusiásticas candidatas.

Maskell divide a indústria da pornografia em cinco gêneros: a pornografia realmente amadora ("um cara que apanha uma câmera —ou hoje um smartphone ou iPad— e se filma transando com a namorada ou com alguma outra pessoa em um quarto de hotel"); a pornografia amadora filmada por profissionais; gonzo ("filmada com câmeras de mão, muito intrusivas, mas com qualidade profissional e bem editada"); filmes de grande orçamento e alta qualidade ("muito dinheiro gasto com cachês"); e alguns raros filmes épicos (que podem seguir a narrativa de "Piratas do Caribe", e "gastam centenas de milhares de libras alugando helicópteros").

Ele insiste em que as preferência da maioria dos espectadores são relativamente amenas. "Muita gente quer produto de boa qualidade, com bons cenários e locações, filmagem competente, boa edição, atores de boa aparência. Toda essa história sobre gente que prefere cenas brutais e horríveis, não é isso que o público deseja. Na maioria das vezes, isso não vende. Há um pequeno nicho que pode optar pelo mais extremo, mas não é isso que as pessoas buscam."

O LiveJasmin.com foi lançado em 2001 pelo empreendedor húngaro György Gattyán, e em 2012 uma marca derivativa mais convencional, a jasmin.com, foi introduzida. Inicialmente, o site tinha design e tecnologia de streaming simples, mas com os anos evoluiu para facilitar o consumo via aparelhos móveis. Começando com 100 a 200 modelos on-line em qualquer dado momento, no começo dos anos 2000, o site Jasmin.com agora oferece entre dois mil e 3.000 streams de vídeo ao vivo por segundo, o ano todo, e mais de 1,5 milhão de modelos registrados (400 mil dos quais estão ativos). A companhia afirma contar com 50 milhões de usuários registrados. O dinheiro entra por meio de chats privativos pagos por minuto e por assinaturas para canais com conteúdo premium dos modelos.

Károly Papp, presidente-executivo da Docler Holding, a companhia que controla o Jasmin.com, vê o futuro em "promover nossa marca e atrair mais engajamento".

O dinheiro, aponta Maskell, "está atrás das câmera: você ganha mais dinheiro se controlar o conteúdo, e não se você atuar". Mesmo assim, ele afirma, os atores e atrizes inteligentes se diversificam e constroem suas marcas. "Podem começar a trabalhar em produções mais convencionais, ou criar uma produtora ou site pessoal e ganhar dinheiro com isso."

MÍDIAS SOCIAIS

A mídia social é essencial para construir uma marca. O Twitter, apontam muitos empreendedores, é muito mais liberal que o Facebook ou Instagram quanto à exibição de conteúdo razoavelmente explícito. Mark Hassell, gerente de marketing e vendas da Paul Raymond Publications, uma editora britânica de revistas tanto online quanto em papel, com títulos como "Mayfair" e "Men Only", acredita que o Twitter seja uma faca de dois gumes.

"Produzo material adulto há 10 anos, mas fico chocado com o que se pode ver no Twitter. Se há coisas como essas de graça no Twitter, por que as pessoas pagariam por elas?"

Mesmo assim, ele vê a mídia social em geral como positiva para o setor, e como uma porta para o conteúdo pago, além de ajudar sua companhia a atrair consumidores mais jovens. Os astros e estrelas mais conhecidos têm forte presença na mídia social e, a exemplo dos atores de Hollywood, veem esse tipo de canal como forma de se aproximarem de sua audiência.

Revistas em papel e DVDs se recuperaram, no ano passado, disse Hassell, já que os consumidores começaram a se preocupar com tropeçar em material chocante por acidente ou em serem vigiados pelas companhias de Internet. "As pessoas têm medo da Internet, especialmente os sites gratuitos de vídeo. Elas sabem que seus cookies são rastreados. Já revistas e DVDs as pessoas compram e jogam fora."

Ele também acredita que as reações adversas às revistas masculinas mais amenas —publicações de estilo de vida que mostram fotos de mulheres nuas, como a "Loaded", que foi propriedade da Paul Raymond por algum tempo— estimulou as vendas de conteúdo mais explícito. "Houve muitas reações negativas ao fato de que crianças podiam ver as revistas masculinas mais amenas, nas bancas. As revistas adultas oferecem diferenciação mais clara."

Spiegler acredita, em última análise, que o setor de pornografia é muito parecido com qualquer outra indústria. "Há política, há disputas internas", ele diz. "É como uma escola de segundo grau, mas com cinzeiros. Há muita fofoca".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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