Folha de S. Paulo


Em obra densa, economista desconstrói teses com ironia

Quando se trata de dinheiro, nada é o que parece. "O dinheiro faz parte do mundo imaginário", escreve João Sayad. Além do mais, "como tudo o que é habitual, colado ao cotidiano, é difícil de ser compreendido", diz o economista na introdução desse seu "Dinheiro, Dinheiro: Inflação, Desemprego, Crises Financeiras e Bancos".

Sayad, 69, ensina economia na USP. Entre outros tantos postos de governo que ocupou, foi ministro do Planejamento sob Sarney, tempos do Plano Cruzado, de 1986, primeiro do tumulto da estabilização.

Raquel Cunha/Folhapress
O economista e ex-Ministro do Planejamento Joao Sayad, 69, autor de
O economista e ex-Ministro do Planejamento Joao Sayad, 69, autor de "Dinheiro, Dinheiro"

O economista escreve periodicamente para jornais. Gosta de desconstruir a economia padrão, em particular as teses de seus praticantes mais estereotipados. Mostra intestinos e engrenagens da teoria, suas eventuais insuficiências e paradoxos, tratando os assuntos com uma nota de crônica sociológica e controvérsia irônica.

Sayad faz um pouco disso nesse livro no entanto denso. Apresenta o leitor aos debates da teoria monetária em breves palestras ou aulas: 300 páginas em 54 capítulos.
O texto é vazado em termos humanos, sérios, mas nada técnicos (não há modelos, deduções e equações). Começa com uma introdução veloz e idiossincrática a alguns princípios de macroeconomia (PIB, moeda, juros).

Está quase tudo explicado, mas se trata de uma apresentação didática para iniciados, ao menos escaldados por um manual de macroeconomia. A versão elementar da teoria quantitativa da moeda não é física de partículas, mas fica puxado apresentá-la em dois parágrafos, assim como explicar a evolução do monetarismo em duas páginas e, em outras duas, falar da crítica de Tobin ou da teoria das metas de inflação.

Sayad é um economista dado às (outras) humanidades, consternado com a secura, a dureza ou a pobreza da vida cultural e do debate econômico no Brasil. Não é surpresa que discuta a ideia de dinheiro como mito ou em termos de outras ciências sociais. Para tanto, recorre, por exemplo, a um inteligente embora linguisticamente controverso e antigo texto de Roland Barthes ("Mitologias") ou à brilhante e enorme obra de antropologia econômica de Karl Polanyi, também algo datada, porém.

Por falar em mito ou de suas proximidades, a discussão mais importante que atravessa o livro trata da "ilusão monetária" (a existência da moeda dependeria "de fé, crença sem justificativa, em que o preço do dinheiro seja estável"). Sayad mostra como tal controvérsia divide campos e a relevância do conceito para o problema da indexação no Brasil, que até hoje nos assombra.

OUTROS DEBATES

Além da maratona da teoria básica, ainda haverá espaço para tratar de hiperinflação alemã, Grande Depressão, crise de 2008 e do euro, além de uma criativa história da inflação e das tentativas de estabilização no Brasil a partir do pós-guerra. Não falta o debate do motivo de inflação e juros altos (causas ainda mal sabidas, mas em geral atribuídas pelo "pensamento hegemônico" ao governo perdulário).

Em um capítulo típico do seu estilo de controvérsia, Sayad diz que pode ser razoável colocar em xeque o sistema de metas de inflação com câmbio flutuante ou discutir a possibilidade de um sistema de câmbio fixo, com a taxa de juros regulando o equilíbrio no balanço de pagamentos. Deve enervar alguns de seus colegas.

É premeditado, claro. "A economia não é uma ciência madura. Não existe um paradigma vencedor, ainda que em diversos momentos um paradigma seja hegemônico com relação aos demais, que todavia sobrevivem e organizam a discussão contemporânea sobre qual a melhor regra de política monetária ou sobre qual melhor forma de organizar o sistema bancário e financeiro."

Sayad, seguindo Deirdre McCloskey, duvida da capacidade de testar decisivamente a verdade de teorias econômicas com dados empíricos ou testes estatísticos. Assim, em tom meio passadista, decidiu apresentar e contrapor as narrativas concorrentes de "monetaristas" e "keynesianos" (e seus descendentes) como guias no inferno do debate técnico, social e político do que fazer de moeda e de emprego.

Dinheiro, dinheiro
AUTOR João Sayad
EDITORA Portfolio Penguin
QUANTO R$ 49,90 (352 págs.)
AVALIAÇÃO Muito bom


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