Folha de S. Paulo


EUA investigam possível conluio entre grandes empresas de aviação

Promotores públicos federais norte-americanos anunciaram na quarta-feira ter iniciado uma investigação sobre possível conluio entre as companhias de aviação para limitar o número de assentos, dois anos depois que o Departamento da Justiça aprovou a mais recente em uma série de fusões de companhias do setor afirmando que a combinação beneficiaria os consumidores.

Em cartas endereçadas às companhias de aviação, os promotores solicitaram documentos dos dois últimos anos referentes a declarações e decisões tomadas por elas sobre a limitação de sua capacidade em determinadas rotas. Ao dificultar a obtenção de lugares pelos passageiros, as companhias restringem a competição e elevam os preços das passagens.

"Estamos investigando a possibilidade de coordenação ilegal entre algumas companhias de aviação", disse Emily Pierce, porta-voz do Departamento da Justiça.

O inquérito, que parece estar apenas começando, é uma virada significativa para um departamento que, em novembro de 2013, abriu caminho para a fusão entre a American Airlines e a US Airways, depois de inicialmente ter expressado sua intenção de rejeitá-la. A fusão, combatida amargamente pelos defensores do consumidor, criou a maior companhia de aviação do mundo.

Agora, cerca de 80% do tráfego aéreo nos Estados Unidos está concentrado em apenas quatro companhias - American, United, Delta e Southwest. Ao aprovar a fusão entre a American e a US Airways, funcionários do
Departamento da Justiça aceitaram o argumento oferecido pelas empresas de que uma companhia combinada criaria mais opções para os passageiros em rotas movimentadas do que qualquer das duas poderia
oferecer separadamente.

William Baer, secretário assistente da Justiça e encarregado da divisão antitruste, disse a jornalistas na época que a fusão "abriria mais que nunca o mercado" e que ela "perturbaria a acomodação atual" entre as grandes companhias de aviação.

Mas de lá para cá, os executivos do setor de aviação vêm conversando mais abertamente com analistas de Wall Street, e em uma conferência setorial no mês passado em Miami, sobre a chamada "disciplina quanto à capacidade" - o jargão do setor para a limitação do número de voos.

A American Airlines declarou na quarta-feira que cooperaria com a investigação, mas contestou qualquer ideia de que as fusões restringiam a concorrência. "A demanda foi beneficiada por um mercado robusto e competitivo, no qual houve ampliação de capacidade e queda no preço médio das passagens".

Luke Punzeberger, porta-voz da United Airlines, confirmou que sua companhia havia recebido uma carta do Departamento da Justiça. Ele informou que a United atenderia ao pedido de documentos.

A Delta disse ter recebido a carta do Departamento da Justiça e que cooperaria plenamente. A Southwest não respondeu a um pedido de comentário.

Advogados especialistas em questões antitruste e analistas de aviação dizem que os investigadores teriam de dirimir uma questão central: se os representantes das companhias falaram tanto em público sobre a disciplina quanto à capacidade para apaziguar as demandas de Wall Street por lucros maiores ou se existe algum indicador real de conluio privativo entre os executivos de aviação.

"Houve cerca de dois anos de conferências telefônicas coletivas nas quais os analistas de Wall Street pressionaram os executivos de aviação a ter mais disciplina se não queriam ver rebaixadas as recomendações de suas ações", disse Robert Mann Jr., analista de aviação em Port Washington, Nova York. "Minha sensação não é a de que os executivos tenham conversado entre eles. Eles na verdade se odeiam, se queremos ser francos. Mas, porque restam tão poucas companhias, é quase natural que haja um oligopólio".

Mann acrescentou que os preços das passagens aéreas "caíram um pouco" até agora em 2015, ante o ano passado. Mas as taxas de bagagem e por outros serviços, como assentos melhores ou acesso à Internet, elevaram os lucros das companhias, e o aumento dos impostos sobre as passagens resultou em que, para muitas rotas, os passageiros estejam pagando mais, ele disse.

Não está claro quando o Departamento da Justiça iniciou a investigação.

No mês passado, o senador Richard Blumenthal, democrata do Connecticut, apelou ao Departamento da Justiça por ação mais agressiva contra as companhias de aviação, que vêm registrando uma disparada de lucros como resultado da consolidação do setor.

"Os consumidores estão pagando passagens caríssimas e se veem aprisionados em um mercado sem concorrência e com um histórico de conluio", o senador disse em uma carta ao departamento, citando um artigo na seção de negócios do "New York Times".

O artigo mencionava executivos de aviação que reasseguraram aos participantes de uma conferência da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata), em Miami, que estavam todos cientes da necessidade de disciplina para limitar o número de assentos oferecidos aos consumidores.

O bom período recente do setor se segue a anos de concordatas, cortes de empregos e prejuízos bilionários, que provocaram uma forte onda de consolidação e tiraram muitos nomes conhecidos do mercado. Nos últimos 10 anos, aconteceram fusões entre a Delta e a Northwest Airlines em 2008, entre a United e a Continental Airlines em 2010, e entre a Southwest e a AirTran Airways em 2011.

Agora, em uma reviravolta notável, as grandes companhias de aviação vêm reportando uma disparada nos lucros. A Delta, por exemplo, anunciou lucro de US$ 746 milhões no primeiro trimestre, um recorde para o período. O anúncio surgiu uma semana depois que a companhia anunciou uma redução de seus voos internacionais, daqui até o fim do ano, para limitar a capacidade.

Em maio, Gary Kelly, presidente-executivo da Southwest, anunciou que a empresa elevaria sua capacidade em 8%. Mas depois de sofrer críticas no mês passado na conferência de Miami, ele recuou um pouco e disse que restringiria o crescimento da capacidade a 7%.

As companhias de aviação vêm sendo beneficiadas pela queda nos preços do combustível. A Delta, por exemplo, disse que antecipava economizar US$ 2 bilhões em gastos com combustível até o final do ano. E a Southwest, que pagava 81 centavos de dólar por litro de combustível no primeiro trimestre do ano passado, estava pagando apenas 53 centavos de dólar no primeiro trimestre deste ano.

"É difícil compreender porque, com a queda de 40% nos preços do combustível de aviação do ano passado para cá, os preços das passagens não caíram", disse o senador Charles Schumer, democrata de Nova York, que também apelou por uma investigação. "Sabemos que, quando companhias de aviação se fundem, a concorrência de preços cai".

A investigação foi reportada inicialmente pela Associated Press.

Mann, o analista de aviação, disse que, mesmo que os executivos do setor sentissem que estavam basicamente respondendo à pressão dos analistas de Wall Street, na conferência de Miami, "se você estivesse ouvindo, como advogado do Departamento da Justiça, decerto pensaria que 'espera lá, esses caras estão todos dizendo a mesma coisa, e isso não pode acontecer naturalmente, certo?'"

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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