Folha de S. Paulo


Ex-ministro da Fazenda compara bancos a papelarias

Para negar que atrasos nos pagamentos do Tesouro Nacional aos bancos oficiais sejam equivalentes a uma tomada de empréstimo, a defesa do ex-ministro Guido Mantega (Fazenda) compara as manobras a uma prosaica compra de canetas.

"Basta pensar no absurdo que seria dizer que a União celebrou uma operação de crédito com o fornecedor de material de papelaria porque não honrou o seu dever de pagar determinada quantia em dinheiro pela aquisição de borrachas, canetas e resmas de papel", afirma-se.

Extraído de um parecer da procuradoria jurídica do ministério, o trecho serve como um resumo da argumentação do governo: admite-se que pagamentos deixaram de ser feitos, mas nega-se que isso configure um empréstimo (ilegal) de uma instituição financeira a seu controlador.

Pela tese, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e BNDES prestam serviços ao governo, como outras empresas –ainda que a papelaria do exemplo não seja um banco nem pertença ao Tesouro.

Na interpretação do TCU, o uso do dinheiro dos bancos estatais em programas que devem ser bancados por recursos da arrecadação federal caracteriza, na prática, um financiamento.

Esse foi o caso do Bolsa Família, cujos benefícios são pagos por meio da Caixa. Quando o Tesouro não repassou o volume necessário de dinheiro para os desembolsos, a CEF acabou arcando com as despesas restantes.

Em linguagem que combina jargão jurídico e imagens dramáticas, a defesa de Mantega diz que essa foi uma escolha do banco. "A opção pelo pagamento revela inexigibilidade da outra conduta, dada a comoção social, o caos e a ameaça à sobrevivência de milhões de pessoas que a mera interrupção causaria."

Esse não é o único episódio sob investigação: há "pedaladas" em pagamentos do seguro-desemprego, do abono salarial, de subsídios para o Minha Casa, Minha Vida, para o crédito rural e o financiamento de investimentos.

Pela argumentação oficial, já houve, nos governos Lula e FHC, momento em que os recursos repassados pelo Tesouro a seus bancos foi insuficiente para os gastos integrais de programas sociais.

Reportagem publicada pela Folha em abril mostrou, no entanto, que as discrepâncias entre o repasse e os pagamentos assumiram na gestão de Dilma Rousseff proporção e frequência inéditas.


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