Folha de S. Paulo


Cautela com ajuste fiscal leva dólar ao maior nível em quase dois meses

A cautela com a aprovação das medidas de ajuste fiscal no Brasil, a expectativa de elevação do juro básico nos Estados Unidos e a persistente crise grega minaram nesta terça-feira (26) o apetite ao risco entre os investidores, levando tanto o dólar quanto a Bolsa ao nível de dois meses atrás.

O dólar à vista, referência no mercado financeiro, teve valorização de 1,10%, para R$ 3,150 na venda. É a cotação mais alta desde 1º de abril, quando estava em R$ 3,158. Já o dólar comercial, usado no comércio exterior, subiu 1,67%, para R$ 3,150 –também no maior valor desde 1º de abril (R$ 3,174).

Na Bolsa, o Ibovespa, principal índice do mercado de ações brasileiro, fechou em baixa de 1,79%, aos 53.629 pontos. É o menor nível desde 2 de abril, quando estava em 53.123 pontos. O volume financeiro foi de R$ 6,621 bilhões.

Internamente, as atenções continuaram voltadas ao Senado, que deve votar as Medidas Provisórias 664 e 665, as quais modificam as regras de acesso a benefícios trabalhistas e previdenciários e integram o ajuste fiscal. As dificuldades enfrentadas pelo governo na aprovação das medidas de reequilíbrio das contas públicas deixou o mercado na defensiva, à espera de resultados.

"Há boatos de que o ex-presidente Lula tem se empenhado em campanha para a troca do Levy [Fazenda] pelo Barbosa [Planejamento]", disse Gabino Neto, economista da gestora Áquilla. "O Levy é o 'defensor do caminho correto', e ele está sozinho nisso. Qualquer ameaça a ele é ruim."

O "racha no PT" entre apoiadores e contrários às medidas de ajuste propostas por Levy, segundo o estrategista da BGC Liquidez Leonardo Bardese, levanta dúvida sobre a permanência do atual ministro da Fazenda no cargo e provoca aversão ao risco. "Apesar de todas as medidas serem severas, elas são vistas como necessárias por grande parte do mercado", afirmou.

Bardese lembrou ainda que muitos investidores voltaram a fazer aplicações nesta terça-feira, um dia após feriado nos EUA e em alguns países europeus, por isso o movimento dos ativos pode ter tido reflexo dos acontecimentos que repercutiram no mercado na véspera.

EXTERIOR

Na cena externa, indicadores econômicos divulgados nesta terça-feira nos EUA surpreenderam positivamente o mercado, reforçando apostas de que o juro básico naquele país deve subir ainda em 2015. A taxa está em seu menor nível histórico, entre zero e 0,25% ao ano, desde 2008 –uma medida tomada pelo Federal Reserve (banco central americano) para amenizar os efeitos negativos da crise.

Uma alta do juro americano deixaria os títulos do Tesouro dos EUA –que são remunerados por essa taxa e considerados de baixíssimo risco– mais atraentes do que aplicações em mercados emergentes, provocando uma saída de recursos dessas economias. A menor oferta de dólares tenderia a pressionar a cotação da moeda americana para cima.

A confiança do consumidor nos EUA ficou acima do esperado em maio ao atingir 95,4 pontos, ante estimativas em torno de 94 pontos. A venda de novas casas em abril também animou, alcançando 517 mil unidades, ante projeções em torno de 510 mil –no mês anterior, haviam sido 484 mil, segundo dados revisados.

Nesta terça, o Banco Central rolou para 2016 os vencimentos de 8,1 mil contratos de swap que estavam previstos para o início de junho, em um leilão que movimentou US$ 396,5 milhões. A operação é equivalente à venda futura de dólares.

NO VERMELHO

O clima de aversão ao risco fez a Bolsa cair nesta terça-feira, afetada principalmente pelas ações da Petrobras e de bancos. A estatal informou que não pagará dividendos (parte do lucro distribuída aos acionistas) neste ano, além de ter colocado à venda seis blocos de petróleo.

"Provavelmente a venda desses blocos não faz parte do modelo de partilha, pois, se fizesse, a companhia não poderia se desfazer deles", disse Ricardo Kim, da XP Investimentos, em relatório. "A empresa espera arrecadar US$ 13,8 bilhões com os desinvestimentos, mas, mesmo assim, tem uma necessidade de caixa, esse ano, da ordem de US$ 13 bilhões", completou o analista.

A avaliação é que a recente alta do dólar também prejudica a petroleira, que possui dívidas na moeda americana e já está com elevado nível de alavancagem (relação entre dívida líquida e geração de caixa).

As ações preferenciais da Petrobras, mais negociadas e sem direito a voto, perderam 3,20%, para R$ 12,39 cada uma. Os papéis ordinários da estatal, com direito a voto, tiveram desvalorização de 3,40%, para R$ 13,36.

No setor de bancos, segmento com maior peso dentro do Ibovespa, o Itaú cedeu 1,47%, para R$ 34,91, enquanto o Bradesco recuou 2,97%, para R$ 28,40. Já o Banco do Brasil perdeu 2,69%, a R$ 23,55. Essas companhias seguem refletindo negativamente o aumento da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), na semana passada, de 15% para 20%.

A queda da Bolsa foi amenizada em partes pelo bom desempenho da Vale, que viu sua ação preferencial subir 0,58%, para R$ 17,45. Ela chegou a ganhar mais de 2% no dia. A companhia refletiu positivamente nova alta no preço do minério de ferro negociado no mercado à vista da China –principal destino das exportações da mineradora brasileira.


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