Folha de S. Paulo


Bancos admitem culpa por crimes financeiros em Wall Street

Alongando ainda mais a ficha policial de Wall Street, cinco grandes bancos internacionais fecharam acordo para pagar US$ 5,6 bilhões em multas e admitir culpa por múltiplos crimes relacionados à manipulação de transações de câmbio e taxas de juros, anunciaram autoridades federais e estaduais norte-americanas na quarta-feira.

O Departamento da Justiça forçou quatro dos bancos - Citigroup JPMorgan Chase, Barclays e Royal Bank of Scotland - a admitir culpa por violações das leis antitruste, no mercado de câmbio, como parte de uma manobra que engordou os lucros dos bancos e enriqueceu os operadores que organizaram o complô. Os operadores deveriam supostamente ser concorrentes, mas, mais ou menos como as empresas que manipularam os preços de vitaminas ou de componentes automotivos, eles conspiraram para manipular o maior e menos regulamentado dos mercados financeiros mundiais, que movimenta cerca de US$ 5 trilhões ao dia, afirmaram os promotores.

Revelando a natureza conspiratória de seus contatos, muitos dos quais realizados em salas de chat online, um desses grupos de operadores se definia como "o cartel". Era uma organização exclusiva, que só permitia adesões por convite, e o que estava em jogo era tão importante que um novo membro foi advertido que "se você cometer o menor erro, é melhor dormir com um olho aberto".

Para executar o esquema, que foi mantido em operação quase todos os dias por cinco anos, até 2012, um operador tipicamente formava uma grande posição de uma moeda e depois a descarregava no mercado em momento crucial, na esperança de causar movimentação de preços. Os operadores dos demais bancos concordaram em, como definiu a agência de regulamentação financeira do Estado de Nova York, "ficar fora do caminho".

COTAÇÃO

Os bancos também iludiram seus clientes quanto à cotação das moedas, disseram autoridades federais e estaduais, impondo "sobrepreços pesados", que um funcionário do Barclays descreveu como "o pior preço que posso impor e não leve o cliente a mudar sua decisão quanto a negociar comigo agora ou no futuro". Ou, para definir a missão do grupo de maneira ainda mais bruta: "Se você não está trapaceando, não está nem tentando", disse o mesmo funcionário.

Um quinto banco, o UBS, também se admitirá culpado na quarta-feira por manipular a taxa de juros de referência Libor (London Interbank Offered Rate), que serve como indicador para trilhões de dólares em cartões de crédito e outros empréstimos. Os promotores federais norte-americanos haviam fechado acordo anterior de não processar o banco suíço pela trapaça quanto à Libor. Mas em um raro momento de rigor quanto à reincidência de crimes financeiros, o Departamento da Justiça cancelou o acordo ao ser informado de que o UBS também havia tomado parte do esforço para manipular as cotações de câmbio.

As admissões de culpa, que os bancos devem fazer junto a um tribunal federal no Connecticut quarta-feira, são inéditas na história do setor financeiro, que vem sendo abalado por sucessivos escândalos e investigações desde a crise financeira de 2008. Até agora, as admissões de culpa haviam se limitado a grandes e pequenas subsidiárias. Mas no caso dos quatro grandes bancos acusados de violações em transações de câmbio, a confissão de culpa será feita pelas matrizes.

O resultado representa uma vitória para o Departamento da Justiça, que vinha enfrentando críticas por sua brandura para com os grandes bancos, cujo tamanho e importância para a economia mundial os tornou - na interpretação de alguns fiscais e políticos - grandes demais para a cadeia.

Para os bancos, porém, a vida como criminosos deve resultar mais em vergonha simbólica do que em problemas práticos. Ainda que possam ser teoricamente proibidos pelas autoridades regulatórias norte-americanas de administrar fundos mútuos ou planos empresariais de pensões, bem como de desempenhar certas outras atividades securitárias, eles obtiveram dispensas da Securities and Exchange Commission (SEC), a agência que regulamenta o mercado de valores mobiliários dos Estados Unidos, que permitirão que continuem a operar como sempre. De fato, os casos nem foram anunciados antes que a SEC tivesse tempo de agir.

E ao menos por enquanto, o Departamento da Justiça não indiciou quaisquer dos operadores ou vendedores cujas mensagens de texto errantes embasam os casos criminais contra os bancos. As instituições há muito demitiram a maioria dos funcionários suspeitos de delitos, ainda que Benjamin Lawski, que comanda a fiscalização financeira estadual de Nova York, tenha forçado o Barclays a demitir outros oito funcionários vistos como responsáveis por porções centrais do esquema.

ACORDOS

Além dos casos criminais que envolvem o Departamento da Justiça, os bancos também fecharam acordos com a organização de Lawsky e com outras agências regulatórias federais. O Barclays fez um acordo com a Comissão de Operações de Futuros e Commodities, o Federal Reserve (banco central dos Estados Unidos), a Autoridade de Conduta Financeira britânica e o departamento de Lawsky, pagando um total de US$ 2,4 bilhões em multas.

O Citigroup pagou a segunda maior multa, cerca de US$ 1,2 bilhão, o que inclui uma multa antitruste de US$ 925 milhões, a maior já imposta por uma violação da Lei Sherman. O JPMorgan pagou cerca de US$ 900 milhões, e o Royal Bank of Scotland pagou cerca de US$ 660 milhões.

O UBS fechou acordo para pagar mais de US$ 500 milhões, em parte para cobrir crimes relacionados à Libor e o restante por manipulação do câmbio. O banco, o primeiro a cooperar com as autoridades no caso cambial, não sofreu acusações criminais por ele.

Mas o Departamento da Justiça cancelou o acordo extrajudicial anterior que evitou julgamento do banco pelo caso da Libor, afirmando que havia tomado essa decisão incomum pela reincidência do banco.
"A ficha criminal do UBS não pode ser ignorada", disse Leslie Caldwell, diretor da divisão criminal do Departamento da Justiça.

As punições anunciadas na quarta-feira se somam aos US$ 4,25 bilhões que alguns desses bancos já haviam aceitado pagar em novembro, para encerrar casos de diversas autoridades regulatórias quanto à manipulação de transações de câmbio. E pode ser que haja mais punições por vir.

Lawsky disse que está estudando se o Barclays e outros bancos usaram plataformas estrangeiras para transações de câmbio a fim de trapacear seus clientes. O acordo anunciado quarta-feira não livra os bancos de punições futuras.

Lawsky declarou em comunicado que o primeiro lote de delitos era "uma descarada manobra de 'cara eu ganho, coroa você perde' criada para fraudar clientes".

Autan Goetman, diretor de fiscalização da Comissão de Operações de Futuros e Commodities, divulgou comunicado no qual afirmava que "há pouco de mais prejudicial à fé do público na integridade de nossos mercados do que uma cabala de bancos internacionais trabalhando juntos para manipular um indicador amplamente usado a fim de promover seus mesquinhos interesses".


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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