Folha de S. Paulo


Livro esmiuça vida de Keynes deixando a economia de lado

Sopa, peixe, peru, perdiz, pudim de ameixa e patê de foie gras, regados a vinho, champanhe e café integravam o cardápio do banquete organizado por Keynes para os festejos de Natal em Eton em 1901.

Essa é uma das deliciosas inutilidades com que é brindado o leitor de "Universal Man - The Seven Lives of John Maynard Keynes" [Homem universal, as sete vidas de John Maynard Keynes].

Há muitas outras. Ficamos sabendo, por exemplo, que o médico de família que acompanhou o nascimento do por muitos considerado o maior economista do século passado era um sujeito magricelo e desengonçado, que tinha como hobby a corrida de longa distância.

Centenas de páginas mais tarde (e várias décadas passadas desde aquele jantar natalino), surge a imponente revelação de que o pai do intervencionismo do Estado na economia tinha profunda aversão por mãos de unhas roídas.

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O economista inglês John Maynard Keynes, aos 53 anos, com sua mulher, a bailarina Lydia Lopokova, em 1936
O economista inglês John Maynard Keynes, aos 53 anos, com sua mulher, a bailarina Lydia Lopokova, em 1936

Em contrapartida, não há mergulhos aprofundados nos tratados econômicos produzidos por Keynes (1883-1946), muito menos imersão em intrincadas teorias envolvendo juros, dívidas estatais, medidas fiscais e padrões monetários.

Não é esse o objetivo do livro, deixa claro o premiado historiador e biógrafo britânico Richard Davenport-Hines, autor de biografias de W. H. Auden e Marcel Proust.

Ele deliberadamente exclui a palavra "economista" dos títulos de cada um dos capítulos que abordam as tais "sete vidas" de Maynard, que o tornam um "homem universal", de muitos interesses e saberes.

"Keynes era um tipo de homem mais comum nos séculos 16, 17 e 18 do que no Século 20; sua ardente curiosidade, inteligência, imaginação e atividade eram dirigidas a quase todos os aspectos da humanidade. Isso modelou o economista que ele se tornou", diz o autor, deixando claro o entusiasmo que tem por seu personagem.

Para apreender a grandeza do economista, acredita Davenport-Hines, há que conhecer sua trajetória, verificar as influências que o moldaram, o ambiente em que se movia, os prazeres que o seduziam.

AMANTE

Assim, ao lado do Keynes altruísta e menino-prodígio, uma das facetas que emergem é a de amante. Até casar com a bailarina russa Lydia Lopokova, já com mais de 30 anos, Maynard teve uma fieira de namorados.

Sustentou romances mais longos com o pintor escocês Duncan Grant e o escritor Lytton Strachey. Mas não se avexava de descer às ruas de Londres para caçar amantes eventuais.

Na sua vida sexual, manteve cacoetes de economista, fazendo listas e gerenciando estatísticas. Por isso se sabe que seu primeiro caso com um garoto ocorreu em 1901 e que teve 65 encontros românticos de fevereiro de 1909 a fevereiro de 1910.

Sem as experiências sexuais daquele período, afirma o autor, Keynes "não teria desenvolvido tão bem sua humanidade, sua abertura para os outros e sua empatia". Supostamente, sua produção também se beneficiou dos romances: parte de "Tratado sobre Probabilidades" foi escrita durante breve lua-de-mel com Grant.

Ainda que otimista de modo geral, Keynes nem sempre (quase nunca?) estava satisfeito ao ver que as coisas não obedeciam à ordem que desejava.

"O Tesouro está me deixando deprimido. Estou trabalhando demais, detesto e desprezo esse governo. Preciso dar um jeito de cair fora", disse ele em 1917, em pleno fogo da Primeira Guerra Mundial.

Ficaria ainda até o fim do conflito, mas acabou se desligando de forma ruidosa do comitê multilateral que discutia compensações e punições econômicas do pós-guerra -a experiência foi essencial para a produção de seu incensado "As Consequências Econômicas da Paz".

Sua genialidade, porém, não impedia que cometesse erros brutais de análise política. "Não vai haver guerra", prometeu ele a um casal de amigos durante um almoço em meados de agosto de 1939. A três de setembro, a Grã-Bretanha declarou guerra à Alemanha, depois que Hitler invadiu a Polônia.

Com curiosidades como essa, declarações de figuras como a novelista Virginia Woolf e o pensador Bertrand Russel, trechos de discursos e frases pinçadas em cartas, Davenport-Hines guia seu leitor pelos bastidores da obra de Keynes. Ao mesmo tempo, dá pinceladas sobre o espírito de seu biografado e traça um colorido retrato dos costumes e da política na primeira metade do século 20. Vale a pena conhecer.

"Universal Man"
*AUTOR*Richard Davenport-Hines
EDITORA William Collin
QUANTO US$ 14,30 na Amazon (432 págs.)
AVALIAÇÃO Bom


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