Folha de S. Paulo


Não se constrói uma marca apenas com mídia digital, diz Miles Young

Acreditar no fim da mídia impressa é um "disparate", avalia Miles Young, chairman global e presidente da Ogilvy & Mather, maior rede de agências do maior grupo de publicidade do mundo, o WPP.

Para ele, a perda de fatia no bolo publicitário por parte dos veículos impressos é resultado de "uma propaganda muito bem-sucedida" das empresas de mídia digital na última década.

O publicitário diz que a mídia dita tradicional é fundamental para construir marcas, desde que seja relevante.

Dono da conta publicitária da Olimpíada do Rio, Young, 60, veio ao Brasil na semana passada visitar as obras olímpicas e diz que houve uma piora no humor do país desde sua vinda anterior, em 2012.

"Os clientes consideram o momento duro, mas não vejo pânico", relata, dizendo-se otimista com o legado dos Jogos Olímpicos do Rio.

"Vai ser uma Olimpíada modesta, sem elefantes brancos, com uma imagem bem diferente da Copa", diz.

Depois de trabalhar no Rio e em São Paulo, Young aproveitou para tirar uns dias de férias. Pegou a Rio-Santos e visitou Paraty e Toque Toque.

Adriano Vizoni/Folhapress
Miles Young, chairman global e presidente da Ogilvy & Mather, em SP
Miles Young, chairman global e presidente da Ogilvy & Mather, em SP

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Folha - Quais as suas impressões sobre o Brasil?

Miles Young - O humor está muito ruim. Os clientes consideram o momento duro, mas não vejo pânico. O Brasil não é o único país dos Brics com esse problema. E, dos grandes, só EUA e Reino Unido estão bem.

Mas aqui no Brasil há também crise política.

Claro, é a chamada tempestade perfeita. Está havendo um questionamento de instituições, mas isso também acontece em outras economias. A questão aqui é que você tem uma classe média que cresceu, ficou economicamente ativa e ganhou força. E as instituições políticas não acompanharam.

As classes médias demandam certas coisas do governo: prestação de contas, transparência e eficiência. Países que crescem muito rápido têm uma lacuna aí, e os políticos precisam tentar construir pontes para elas.

A Copa do Mundo acabou não sendo a coroação de um momento positivo do Brasil. O que a Olimpíada de 2016 pode fazer pela imagem do país?

Deve fazer bem. Não há nenhum país que não tenha se beneficiado positivamente das Olimpíadas, com exceção talvez da Grécia.

Em Barcelona, em Sidney, em Pequim e m Londres, houve questionamentos, mas no final os jogos foram vistos como bem-sucedidos. Minha impressão é que o legado da Rio-2016 vai ser muito bom.

Vão integrar o transporte público da cidade, existe um grande esforço para garantir a utilidade não apenas da complexo olímpico mas dos equipamentos, que podem ser transferidos de lugar após os Jogos. O mote dessa Olimpíada é modéstia e bom senso. Há uma grande diferença em relação à Copa.

E há ainda o fato de que não existe nenhum ícone de estrutura gigantesca. É um evento relativamente discreto, arquitetonicamente falando. Sem ninhos de passarinho [apelido do Estádio Nacional de Pequim]. As pessoas vão se surpreender. Vai ser funcional e discreto.

Mas há a questão da poluição da lagoa e da baía da Guanabara, que não deve ser resolvida a tempo.

Esse é um grande desafio, mas ainda acho que o impacto é positivo, até por iniciar esse debate. Na China, falou-se muito da poluição em Pequim. E os jogos tiveram o efeito de catalisar o deba- te para começar a atacar o problema.

O presidente do grupo WPP, Martin Sorrell, declarou na semana passada que os veículos impressos talvez sejam mais eficazes para a publicidade do que as pessoas costumam pensar. O que o sr. acha dessa declaração, num momento em que tanto se fala sobre a crise da mídia impressa?

Concordo com ele.

O sr. não precisa concordar só porque está falando com um veículo impresso.

Não, eu realmente concordo. Sempre achei que havia uma tendência em enxergar as mídias impressa, TV e rádio como prematuramente mortas, por causa da chegada da mídia digital. E sabemos por quê. A mídia digital propaga essa mensagem.

Por uma década, houve uma propaganda muito bem-sucedida, com a declaração de morte da imprensa escrita. Isso é um disparate. O que está morto é toda mídia, impressa ou qualquer outra, que não seja interessante de ler. A mídia impressa medíocre terá dificuldades.

Muito jornal local, com conteúdo limitado e sustentado por classificados, morreu. Isso não significa que a imprensa regional morreu. [O bilionário norte-americano] Warren Buffett comprou jornais regionais pois acredita que têm futuro.

Se o conteúdo é bom, ele vai sempre ser lido em qualquer plataforma.

Veja a [revista britânica] "The Economist". Nunca desinvestiu na qualidade nem na quantidade do seu jornalismo. Como resultado, tem crescido em circulação. Defende um ponto de vista, é uma marca. E quem lê acredita que comprar a revista diz algo a respeito de quem você é. Compare com o que aconteceu com a "Newsweek". Houve um declínio de investimento, ano após ano, com conteúdo fraco. Não havia mais motivo para ler a "Newsweek". É preciso criar conteúdo relevante, e aí você pode se expressar no impresso, no digital, não importa.

Para criar essa conexão com o leitor, os veículos precisam ter marcas fortes?

É preciso se posicionar como marca, oferecer um ponto de vista editorial claro e ter um conteúdo forte, que sirva a esse ponto de vista. Essa é a grande força da imprensa em relação ao Google, que não tem nada, nenhum conteúdo.

Os anunciantes vão despertar para esse posicionamento?

Quero deixar claro que não estou criticando o digital. Acredito profundamente no digital. Critico a ideia de que o mundo tem que ser uma coisa ou outra, digital ou analógico. Tem que ter uma mistura.

O que Martin Sorrell quis dizer é que o papel da imprensa escrita é muito valioso e que ela não vai desaparecer. Não é um jogo de soma zero.

Qual é a efetividade do meio digital para o anunciante, em termos de construção de marca?

É muito difícil construir marca, com escala, só com digital. Um grande exemplo é a rede Starbucks, que uns anos atrás achou que não precisava fazer propaganda tradicional. Achavam que poderiam crescer só com mídias sociais, com o boca a boca, um bom site. Voltaram a todo vapor com anúncios tradicionais.

Na construção de marca é preciso capacidade para veicular uma mensagem, seja ela profunda ou emocional, de forma interessante. E isso geralmente significa TV, impresso e outdoor.

Porém deve ser uma ideia que começa no digital. Tem que incluir a mídia paga [anúncios] no mix, mas, quanto mais a sua mídia paga for compartilhada ou conquistada, melhor será.

Acho que não existe nenhum caso de uma grande marca construída pela mídia digital. O mundo digital é terra de ninguém. A grande maioria do conteúdo não é nem vista. É como um grande aterro, com muito lixo.

E o papel das agências de publicidade nesse novo mundo?

É fazer com que uma pequena parcela desse conteúdo seja interessante o suficiente para ser notada. Nosso papel está mudando dramaticamente. Temos que criar o anúncio que vai ser veiculado no jornal e o conteúdo que dará suporte à campanha na internet.

Estamos virando editores de conteúdo digital. Precisamos de habilidades jornalísticas, pois temos que escrever textos mais longos, argumentar. E também pegar conteúdo que outros fizeram e curar, editar.

Essas não são habilidades tradicionais da criação publicitária, em que antes você tinha um redator e um diretor de arte. Apesar de eu acreditar e argumentar que Martin está certo, 20% do que fazemos hoje é anúncio tradicional, e 80%, conteúdo para dar suporte aos anúncios.

O que tira o seu sono hoje?

Ver as pessoas perdendo a fé nas ideias. A melhor propaganda tem que vir de grandes ideias. E elas são raras, difíceis de achar, e às vezes isso envolve risco.

Quando o mundo entra em períodos de desafio econômico, as pessoas buscam soluções de baixo risco e isso implica evitar buscar grandes ideias. A revolução digital muitas vezes valoriza o processo, à custa das ideias.

Não há evidência disso ainda, mas tenho uma certa ansiedade de que as ideias não estejam sendo levadas em consideração como deveriam.


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