Folha de S. Paulo


Indústria já estuda repassar para preço fim da desoneração da folha

Quatro em cada dez produtos fabricados pela indústria de transformação estão no programa de desoneração da folha de pagamentos e devem sofrer o impacto do aumento da alíquota de contribuição previdenciária previsto no projeto de lei encaminhado pelo governo.

A proposta de elevar a alíquota de 1% para 2,5%, que deve ser avaliada ainda no Congresso, atinge 40 segmentos da indústria e parte deles já estuda fazer o repasse do aumento do custo para o preço dos produtos.

Editoria de Arte/Folhapress

Esse conjunto de produtos representou faturamento de R$ 880 bilhões (36% do total faturado pela indústria em 2014) e 4,4 milhões de empregos (ou 54% do total de empregos), além de 48% do total de salários pagos no setor.

Indústrias têxteis, de vestuário, calçados, plásticos, alimentos e móveis estimam que o impacto desse repasse pode variar de 2% até 10% no preço final do produto, considerando o reajuste da indústria para o varejo e do comércio para o consumidor.

Na média dos produtos desonerados (44% do total da indústria), a alta da alíquota pode elevar os preços em até 1,1%, segundo estimativa do departamento de competitividade da Fiesp, federação paulista das indústrias.

"Ou a empresa aumenta o preço, o que afeta diretamente a inflação, em um momento em que o consumo já está fraco; ou absorve mais esse custo, o que prejudica ainda mais sua margem e tem efeito direto no corte de investimentos, que já são baixos", diz José Ricardo Roriz Coelho, diretor do departamento e representante da associação que reúne as indústrias de plástico.

NOS PLANOS

Fabricantes têxteis e confecções, os primeiros a entrar no programa de desoneração da folha em 2011, preveem dificuldades para fazer o repasse.

"A desoneração representa 10% do preço final do nosso produto. Com aumento de energia, de juros, de combustível, do dólar que encarece a matéria-prima importada, como fios sintéticos, será muito difícil absorver mais esse custos", diz Ronald Masihah, presidente do Sindivestuário.

Entre as empresas de pequeno a grande porte, a avaliação é a mesma. Antonio Trombeta, dono da confecção Silvaco, em São Bernardo, com 70 empregados, diz que, com a concorrência dos importados, a desoneração da folha foi importante para baixar os preços entre 3% e 4%.

"As vendas estão até 20% menores em março, e o repasse terá de ser acima de 5%. O país está em outra conjuntura agora."

No grupo Marisol, de Santa Catarina, a decisão de repasse ainda não foi tomada. "A pressão tende a ser grande. Mas não é uma decisão simples, porque o mercado é muito competitivo e o preço é essencial", diz Giuliano Donini, presidente do grupo, com 2.772 empregados.

"O consumidor ficou acostumado com a estabilidade de preços, para se habituar a um novo patamar será um choque."

Para Flavio Rocha, presidente da Riachuelo, não é o momento de aumentar imposto. "Se o Brasil não for reinserido no jogo competitivo, todas as conquistas, da estabilidade da moeda à inserção de milhões de consumidores, ficam ameaçadas."

No grupo Guararapes (dono da Riachuelo e outras empresas), o impacto da mudança na alíquota é de R$ 60 milhões por ano.

"O impacto é direto no lucro, em cerca de 15%", diz o executivo. "O aumento tem efeito cascata sobre fiação, tecelagem, confecção, logística e varejo. Isso ocorre justamente com os setores que são fortemente empregadores. Sem falar do efeito no aumento da informalidade", afirma Rocha.

PESO

No setor de calçados, a elevação da alíquota tem efeitos diversos sobre as empresas, diz Heitor Klein, presidente da Abicalçados, entidade que reúne cerca de 2.000 empresas de médio e grande portes no país.

"Mesmo com o dólar mais valorizado sobre o real, a indústria não tem conseguido manter os empregos devido ao aumento nos custos de produção, especialmente de energia. Mais esse aumento seria devastador para a indústria", afirma Klein.

No ano passado, o setor de calçados fechou 19 mil postos de trabalho, tendência que deve continuar em 2015.

"Não tem como aumentar a alíquota em 150% e não repassar. Mesmo cortando custos ou optando em retornar pelo sistema antigo [contribuição de 20% sobre a folha de pagamento], o preço para o varejo deve aumentar até 2% maior na média do setor", calcula Daniel Lutz, que preside a Abimóvel (reúne as empresas de móveis do país).

Para o consumidor, a elevação de preço deve chegar a 4% a 5%, estima Lutz.

NA PAUTA DO SETOR

Em recente reunião de sua diretoria, a Fiesp decidiu não apresentar emendas ao projeto de lei que prevê a alta das alíquotas e pedir para que seja retirado.

A entidade defende que a alíquota permaneça em 1% para o setor industrial, sem a possibilidade de voltar ao sistema antigo de contribuição (20% sobre a folha).

"Defendemos que seja compulsório o recolhimento de 1% sobre o faturamento, porque se for opcional aos setores pode haver impacto nas contas públicas", diz Roriz Coelho.

Na Abit, associação das indústrias do setor têxtil, também é de manter a alíquota em percentual menor.

"O governo estendeu o benefício a muitos setores sem considerar os que realmente sofrem a concorrência dos importados e são intensivos em mão de obra, que devem permanecer com a redução [com 1% de recolhimento sobre o faturamento]", diz Fernando Pimentel, da Abit.

Com 56 setores incluídos no programa de desoneração, a renúncia fiscal prevista para 2015 é de R$ 25,2 bilhões.

Desse total, 38% correspondem ao setor da indústria de transformação (R$ 9,6 bilhões) e 62% (ou R$ 15,6 bilhões), a setores como construção civil, call centers, tecnologia de informação, transportes e outros.

Estudo da Fiesp mostra que, com a desoneração, houve redução de encargos trabalhistas de 32,8% para 27,3% dos gastos com pessoal.

"Mas mesmo com essa redução, estamos acima da média mundial que é 21,1%, considerando estudo com 34 países do departamento do trabalho dos EUA", cita o diretor da federação das indústrias.


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