Folha de S. Paulo


Análise: PIB 2014, um falso positivo

Os dados do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro do último trimestre do ano passado pegaram os economistas no contrapé, uma vez que a nova metodologia do IBGE para as contas nacionais recentemente implementada ainda não foi incorporada plenamente aos modelos de projeção.

Esse processo é normal e a melhoria promovida pelo IBGE na contabilidade social visa incorporar elementos negligenciados, especialmente do lado da oferta e no investimento.

O governo pode comemorar uma vitória parcial e que não altera em nada a percepção atual da economia.

Na metodologia antiga, o crescimento do PIB do primeiro governo Dilma, entre o final de 2010 e o terceiro trimestre de 2014 (último dado disponível na série antiga), havia sido de 4,65%, agora os dados apontam para um crescimento de 6,52%. No período do governo Lula pouco se alterou e, nos seus oito anos, o crescimento foi de 37% na série dessazonalizada.

Os dados da oferta merecem destaque na comparação entre as séries antigas e novas. Nos novos dados a Indústria e o serviço melhoraram, saindo de 42% para 47% e de 71% para 74%, respectivamente, na série desde de 1996. A agricultura perdeu um pouco, saindo de 104% para 100% de alta no período.

LIÇÕES

Mas o que podemos tirar de lição dos dados deste último trimestre?

Em primeiro lugar, tivemos um comportamento relativamente robusto do consumo das famílias, que avançou 0,9% na variação com o 4º trimestre de 2013 e 1,1% na margem.

O dado é surpreendente, uma vez que se imaginava que a ressaca eleitoral e a elevação da Selic [taxa básica de juros do país] já estaria roubando dinamismo do consumo.

No entanto, apesar da alta na margem, não há muito o que comemorar.

Dados do mercado de trabalho de fevereiro já apontam para um levem aumento no desemprego e diminuição do rendimento médio real habitual.

O ajuste feito por Joaquim Levy [ministro da Fazenda] será, no curto prazo, no salário da maioria da população, e isso está se concretizando aos poucos.

Os dados do Caged [cadastro de empregos do Ministério do Trabalho] já mostram destruição de vagas e isso irá se traduzir em ainda mais perda de dinamismo no consumo das famílias.

O investimento tombou em 2014 e o recuo da formação bruta de capital fixo foi de quase 6% em relação ao mesmo período de 2013.

Temos assim uma combinação perversa de baixo investimento decorrente de uma piora da eficiência marginal do capital, dado o quadro pior das expectativas empresariais.

FIM DA ALIANÇA

Nesse sentido, o ano de 2014 foi lido pela classe empresarial como o de início de um ajuste e se configura também como o fim de uma espécie de aliança entre o governo e parte do empresariado.

A presidente não conseguiu ancorar uma visão suficientemente positiva de futuro que forçasse para cima o otimismo empresarial.

Grosso modo, a ascensão da nova classe C não se traduziu de maneira virtuosa em investimentos, mas se degenerou em inflação uma vez que o empresariado não entendia como adequado as novas taxas de retorno reprimidas pela elevação dos custos. O Planalto fracassou em reverter essa visão e o ajuste em curso tornará no curto prazo ainda mais difícil.

EXPORTAÇÕES

Por fim, um fator chama muita atenção dos dados do 4º trimestre. As exportações afundaram nada menos que 12% no 4º trimestre, evidenciando assim que o setor externo terá sim que passar por um ajuste através do câmbio.

As importações caíram 5,5%. O Brasil está deixando vazar o pouco de dinamismo que resta do consumo doméstico para fora. A elevação recente do dólar irá sanear em parte isso.

No mais, temos uma falsa boa notícia: o PIB de 2014 revela componentes que já estão se deteriorando, como é o caso do consumo das famílias e que já estão em ajuste como é o caso dos Investimentos.

O setor externo continua a preocupar. Está na hora de cuidarmos de nós e deixarmos os bons modos comerciais de lado. O real tem, sim, que se desvalorizar.

ANDRÉ PERFEITO é economista-chefe da Gradual Investimentos


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