Folha de S. Paulo


Com sanções e queda do petróleo, crise russa chega às ruas e achata salários

Pense num país em crise econômica, com inflação acelerada, temor de recessão, moeda desvalorizada e sem perspectiva de crescimento. Em meio a tudo isso, uma turbulência política sem fim.

O Brasil talvez seja o primeiro a vir à mente, mas sempre é possível piorar: um dos parceiros no Brics, o grupo de países emergentes que já foi sinônimo de sucesso, a Rússia enfrenta seu maior desafio desde 1998, quando sua economia entrou em colapso.

Editoria de arte/Folhapress

A moeda, o rublo, perdeu quase 50% de valor para o dólar em 2014. As grandes empresas não conseguem pagar dívidas externas, os preços nas prateleiras saíram de controle e a população começa a reduzir o consumo pela primeira vez em cinco anos.

Dois fatores principais sustentam essa crise: a queda do petróleo (mais de dois terços da exportação do país vêm de energia) e as sanções de potências ocidentais em razão do conflito na Ucrânia.

O preço da comida, alvo do boicote externo, é o que mais assusta em Moscou: a inflação dos alimentos subiu de 16% em dezembro para 22,8% em janeiro, puxada por açúcar (68%), cereais (44,5%), frutas e vegetais (40,7%).

Um deputado do Parlamento regional de Sverdlovsk atreveu-se a dizer que a população deveria "controlar o apetite".

A professora Nikitina Valeria, 55, está na média salarial da Rússia, em torno de US$ 500 (R$ 1.625,00), ou 32 mil rublos (essa média, aliás, é 8% menor do que há um ano).

Sua carga horária de trabalho subiu de 18 para 24 horas semanais, e o salário permaneceu o mesmo, como parte das reformas do governo para reduzir gastos públicos.

Com as sanções, o remédio francês que ela toma foi trocado na farmácia por um similar russo mais caro.

"Vou dar outro exemplo: um cartucho de impressora custava 1.300 rublos em 2014 e agora está 2.300. Não tem jeito, temos que nos controlar e mudar os hábitos", diz.

Sofia Lanetskaya, 18, esteve em Moscou recentemente para visitar parentes. Ela estuda em Chipre, e a falta de perspectiva para sua geração inviabiliza cursar a universidade no país. "Volto quando a situação mudar", diz.

RECESSÃO

Essa mudança parece distante. A economia cresceu 0,6% em 2014 e deve encolher entre 3% e 4% em 2015.

O que fazer diante desse cenário? Para a economista russa Natalia Akindinova, diretora da Escola Superior de Economia de Moscou, o governo precisa se "adaptar" e incentivar o mercado.

"Mas, para isso, é preciso o movimento do capitalismo de monopólio estatal para uma economia competitiva de mercado, com baixos níveis de regulamentação", diz.

Segundo ela, o maior impacto das sanções impostas à Rússia está na restrição a captar recursos externos.

O governo sofre pressão de bancos e empresas locais, que pedem juros internos mais baixos para empréstimos. São empresários que têm que quitar até o fim do ano US$ 130 bilhões de seus US$ 500 bilhões em dívidas externas.

O governo já teve de usar US$ 100 bilhões de suas reservas, hoje em US$ 370 bilhões, para conter o rublo. Com o preço do petróleo abaixo de US$ 60, esse "colchão" deve se esgotar em três anos, a não ser que o barril volte a US$ 90, o mínimo para Moscou reequilibrar as contas.

O presidente Vladimir Putin aposta na indústria local, forçada a reagir ao boicote à importação, e argumenta que uma eventual quebra da economia russa se refletirá na União Europeia –300 mil empregos na Alemanha dependem da Rússia.

Para Gulnaz Sharafutdinova, integrante do Instituto sobre Rússia do King's College de Londres, apesar da retórica, o presidente terá de ceder em algum momento em busca de conciliação externa.

"É preciso voltar a ser um jogador obediente às regras do cenário internacional. Qualquer outra coisa tem efeito imediato, mas são medidas locais que não trarão resultados no longo prazo."


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