Folha de S. Paulo


Para dinamizar economia, Japão ensaia reforma agrícola após 60 anos

Jun Sato, 37, planta legumes em uma estufa perto de Sendai, ao norte de Tóquio. Cada tomate cultivado por ele é vendido por cerca de R$ 3,00 no mercado local.

No Japão –uma ilha com pouca terra disponível para agricultura–, frutas e legumes são quase um luxo. Uma caixa de morangos chega a custar o equivalente a R$ 40.

Décima geração de sua família na lavoura, Sato vende seus legumes direto para uma rede varejista e, para elevar a produção, arrenda a terra de um vizinho.

Raquel Landim/Folhapress
O agricultor Jun Sato mostra estufa onde produz tomates no Japão
O agricultor Jun Sato mostra estufa onde produz tomates no Japão

Jovem e empreendedor, ele é um exemplo do que o governo japonês quer para o setor. O primeiro-ministro Shinzo Abe está fazendo uma ampla reforma da agricultura japonesa, a primeira em 60 anos.

O objetivo é preparar o setor para a Aliança Transpacífica (TPP), um acordo de livre-comércio entre Japão, EUA e mais dez países.

Nas próximas semanas, Abe vai enviar um projeto de lei sobre o tema ao Congresso. Será o primeiro grande teste da "Abenomics", sua estratégia para tirar o Japão da recessão e da deflação.

O líder japonês é criticado porque até agora implementou dois pilares dessa política, elevando os gastos públicos e injetando dinheiro na economia, mas deixou de lado o terceiro pilar, que são as reformas estruturais.

Reeleito no fim do ano passado, ele ganhou fôlego político para mudar setores críticos como mercado de trabalho, agricultura, saúde e energia. Para os analistas, 2015 pode ser sua última oportunidade.

"O setor agrícola tem um peso pequeno na economia, mas um grande simbolismo político. Abe quer mostrar ao Japão e ao mundo que é um reformista", disse à Folha Tomohiko Taniguchi, assessor especial do gabinete do primeiro-ministro.

MEIO-TERMO

Os especialistas locais, no entanto, dizem que a reforma agrícola japonesa perdeu ambição desde que começou a ser planejada, em junho do ano passado. "Essa reforma ficou no meio-termo", afirma Shinichi Shogenji, professor da Universidade de Nagoya.

Ele alude à grande batalha de Abe: transformar as cooperativas agrícolas do país.

O Japão possui 700 cooperativas locais e 47 cooperativas provinciais reunidas sob a Japan Agriculture (JA), uma das forças que sustentam o partido do governo, o PSD.

No início das discussões sobre a reforma, chegou-se a falar na extinção da JA. No projeto de lei que será enviado ao Congresso, a central deixaria de auditar as contas das cooperativas locais, mas manteria seu papel de "trading", comprando e vendendo produtos, e de banco, concedendo empréstimos.

Editoria de Arte/Folhapress

Outro ponto importante da reforma de Abe é abolir os subsídios concedidos pelo governo para reduzir a produção de arroz.

A lógica é evitar uma queda de preços, já que o Japão tem hoje capacidade para produzir 12 milhões de toneladas de arroz, mas a demanda é de apenas 8 milhões.

Os japoneses são muito sensíveis a essa questão. Temem que, se os preços caírem muito, os agricultores desistirão de plantar arroz e deixarão o país vulnerável em caso de guerra ou desastre.

Apesar da resistência de parte da população, a decisão política já está tomada, pois não é necessária a aprovação do Congresso.

Abe anunciou que o subsídio acaba até 2018. Persistem dúvidas, porém, sobre como isso será implementado.

LIBERDADE

Segundo Ichiro Abe, um dos encarregados da reforma no Ministério da Agricultura, "o mais importante de toda essa mudança é dar mais liberdade para que os agricultores japoneses inovem".

O setor agrícola japonês é muito conservador. Existem no país 2,5 milhões de produtores, com uma média de 66 anos de idade, e quase tudo ainda é feito manualmente.

As propriedades agrícolas passam de pai para filho. Isso não está estabelecido em lei, mas o custo da terra é alto e as pessoas têm apego emocional à propriedade.

Para proteger o setor, o Japão cobra pesadas tarifas na importação de alimentos, o que encarece o custo de vida. A população paga preços exorbitantes por produtos comuns em outros países.

No Japão, as pessoas levam morangos para reuniões na casa de amigos e é normal pedir uma banana no mercado e receber a fruta cuidadosamente embalada numa sacola para presente.

Os institutos de pesquisas locais afirmam que o preço dos alimentos poderá cair 30% se a reforma agrícola elevar o tamanho médio da propriedade no Japão de só um hectare (o tamanho médio de um quarteirão) para dez.

O governo quer estimular os produtores a alugar as terras dos mais idosos e aumentar sua escala de produção –exatamente o que vem fazendo Jun Sato, com sua plantação de tomates em Sendai.

"Eu enxergo todas essas mudanças como uma oportunidade, porque vou conseguir alugar mais áreas [agrícolas] e produzir mais", diz Sato. "Muita gente por aqui, porém, acha que vai falir."

A repórter viajou a convite do Ministério das Relações Exteriores do Japão


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