Folha de S. Paulo


Análise: Decisão deixa a rede sujeita ao poder regulatório dos EUA

"Governos do mundo industrial, gigantes de carne e aço, em nome do futuro, peço a vocês que deixem o espaço cibernético em paz", escreveu John Perry Barlow, um dos maiores ativistas da internet, em 1996, na sua famosa Declaração de Independência do Ciberespaço.

Esse pedido para a internet ser "deixada em paz" caiu por terra nesta quinta-feira (26) com a votação realizada pela FCC (Comissão Federal de Comunicações dos EUA).

O órgão não só aprovou regras para proteger a chamada "neutralidade da rede", mas também afirmou que daqui para a frente a internet passa a ser considerada um serviço de telecomunicações. E, com isso, totalmente sujeita ao poder de regulamentação do governo dos EUA.

A votação foi comemorada pela maior parte dos ativistas contemporâneos. Diferentemente de Barlow, eles defendiam a intervenção do Estado (o "gigante de carne e aço") para impedir que a rede ficasse à mercê do setor privado, notadamente, das empresas que oferecem serviços de acesso nos EUA.

O temor é que a internet que conhecemos –uma rede aberta, na qual todos podem acessar tudo e ninguém precisa pedir permissão para se conectar– fosse progressivamente transformada em uma espécie de TV a cabo, com conteúdo controlado. As prestadoras de acesso poderiam criar condições privilegiadas para algumas empresas que pagassem por isso, prejudicando as demais.

Vários casos de violação à neutralidade já ocorreram. Em 2006, a America On-Line bloqueou o acesso a um site que mobilizava uma campanha contra a própria empresa. No Canadá, uma operadora bloqueou o acesso ao site do sindicato dos seus funcionários grevistas.

Houve também casos de provedores que impediram usuários de fazer chamada de voz pela rede, porque competiam com seus serviços de telefonia. Essas práticas serão agora ilegais.

No Brasil, vale dizer que desde abril de 2014 o Marco Civil da Internet já havia implementado regras similares. A decisão da FCC marca o fim do período de "inocência" da rede. Ela denota de forma clara como a relações entre a internet e o Estado vão se tornar cada vez mais complexas. O gigante acordou.


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