Folha de S. Paulo


Negócio na China ainda assusta e gera dificuldades para empresas brasileiras

Dois colegas de faculdade gaúchos fizeram o que muitos almejam, mas poucos encaram: abriram um negócio na China. Fazem parte do diminuto grupo de desbravadores do mercado chinês, no qual a presença de empresas brasileiras é acanhada.

A distância e as diferenças culturais não assustaram Ricardo Geri, 23, e Ricardo Dorneles Mello, 26. Eles partiram para a China pouco após se formarem em relações e comércio internacionais, pela ESPM de Porto Alegre.

Chegaram em agosto de 2013 com uma bolsa para estudar mandarim e o propósito de fazer negócios na segunda economia do mundo.

"A primeira dificuldade foi a falta de informação. A embaixada brasileira e a Apex [a agência brasileira de exportação] não sabiam muito e estavam pouco interessados em ajudar. O jeito foi apelar para o Google", conta Geri.

A ideia, surgida na faculdade, era criar uma "incubadora de negócios", para facilitar o comércio Brasil-China.

No mês passado, depois de seis etapas nos mais variados órgãos do governo e de levantarem o capital mínimo exigido, de 100 mil yuans (R$ 45,3 mil), receberam o alvará de negócios na China.

O processo durou quatro meses e inverteu as expectativas. "Achava que seria mais difícil abrir empresa na China do que fechar negócios com o Brasil, mas foi o contrário", diz Mello.

"No ano passado só tomamos pau do Brasil", completa Geri. "Não temos preço nem volume para atender o mercado chinês. Uma importadora de alimentos pediu, só em amostras, cinco contêineres de carne de porco."

Os dois Ricardos, porém, dizem que o primeiro ano na China fortaleceu a convicção de que estão no lugar certo. Além de importação e exportação, inicialmente de pedras, estão de olho no crescente setor de serviços e já pensam em criar uma empresa de webdesign.

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O empreendedorismo dos amigos gaúchos é raro entre as iniciativas brasileiras na China. Apesar de ser o principal parceiro comercial do Brasil, as empresas brasileiras no país não passam de 80.

"É completamente desproporcional ao tamanho de nossa economia e à importância relativa do país", diz o economista Claudio Frischtak, consultor do Conselho Empresarial Brasil-China.

Se para as grandes empresas faltam incentivos para investir na China, para as pequenas e médias trata-se de uma tarefa quase heroica.

Vencer as barreiras de idioma e cultura, entender o ambiente de negócios, navegar pelo intrincado sistema regulatório, tudo isso exige tempo e uma sucessão diária de batalhas para sobreviver num mercado ultracompetitivo.

Poucos brasileiros se dedicaram mais à China do que a empresária gaúcha Tânia Caleffi, que está voltando ao Brasil depois de cinco anos no país.

Nesse período, criou o Brazilian Gate, showroom de produtos brasileiros em Xangai, vendeu produtos nacionais aos chineses e é sócia de uma rede de churrascarias, entre outras iniciativas.

Ela volta a Porto Alegre com enorme conhecimento sobre a China, mas sem lucro. Embora veja oportunidades de negócios no país, diz que hoje não repetiria o que fez.

"Para uma pequena empresa, é quase suicídio", diz a empresária. Ela conta que o ambiente de negócios para estrangeiros piorou muito nesses cinco anos em que viveu em Xangai. "Antes tudo era mais simples. Agora há mais problemas. Perdi muita mercadoria na alfândega."

Apesar das dificuldades, está aumentando, ainda que lentamente, o número de brasileiros que se aventuram no mercado chinês, diz o advogado Rodrigo do Val Ferreira, na China desde 2005.

Ele abriu uma consultoria com mais dois brasileiros no ano passado, após nove anos à frente do escritório Felsberg Advogados em Xangai, onde foi responsável pela abertura de mais de dez empresas brasileiras no país. Seu conselho aos interessados na China é, antes de tudo, buscar ajuda especializada.

"Há muitos mitos, como o de que só é possível investir na China com um sócio chinês", diz Ferreira, sócio-fundador da consultoria ALA Holding Group. "O ideal é que o empresário seja bem assessorado, porque isso corta tempo e custos."

César Yu, chefe do escritório da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportação e Investimentos) na China, lembra que a agência tem um programa de internacionalização de empresas. Investir na China, porém, assusta os brasileiros.

"As empresas precisam vir mais e entender que o investimento na China é de longo prazo", diz. "Há muito desconhecimento."


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