Folha de S. Paulo


Análise

São Paulo conheceu mais a pobreza do que a riqueza

No século 17, os paulistas bandeirantes eram possuídos por aquilo que Sérgio Buarque De Holanda chamou de "vocação para o caminho, que convida ao movimento", e procuravam o remédio para a pobreza.

Esta empreitada que marcou a história da cidade foi relatada pelo jornalista Roberto Pompeu de Toledo, neste texto publicado originalmente pela Folha em 25 de janeiro de 2011, em ocasião do aniversário da cidade.

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"Buscar remédio para a pobreza", "buscar o remédio". Assim os paulistas do século 17 explicavam o motivo de sua adesão à empreitada que, à época, lhes açoitava a cobiça e o espírito de aventura -a mistura de coluna militar, expedição exploradora e missão comercial que tempos depois seria conhecida como "bandeira".

Expressões em que a palavra "pobreza" ou a palavra" "remédio" assumem posição de destaque são frequentes nos inventários e testamentos, os mais preciosos documentos sobre a mentalidade e a vida cotidiana no período.

É verdade que a palavra "pobreza" vem às vezes num sentido oposto ao que hoje se apresenta à nossa compreensão. Equivale a "patrimônio". Um testador recomenda aos herdeiros que "se parta igualmente aquilo que se achar desta pobreza". Outro promete ao credor que "aí ficam as minhas casas e a mais pobreza para Vossa Mercê se pagar".

"Linda maneira de nomear os bens terrenos", comenta José de Alcântara Machado, autor de um clássico de 1929, "Vida e Morte do Bandeirante", do qual foram extraídos estes exemplos. Mas, no grosso dos casos, pobreza queria dizer pobreza mesmo. São Paulo, a primeira cidade do interior do Brasil, situada nos confins da colônia, sem uma atividade econômica que a ligasse ao comércio mundial, como a cana-de-açúcar produzida no Nordeste, era uma cidade expulsora de seus filhos.

Tomava-se a louca resolução de sair para o mato, cada vez mais longe, até os extremos do que são hoje o Rio Grande do Sul, de um lado, ou as beiradas da Amazônia, de outro, por falta de alternativa.

Com sorte, muita sorte, encontrariam um veio de ouro. Com muito mais probabilidades, capturariam índios para escravizar. No meio do caminho, conheceriam os ataques de onça, as mordidas de cobra, as flechas dos índios hostis, as pestes.

São Paulo custou a demarrar. Em seus três primeiros séculos, foi a vilazinha isolada na colina entre os rios Tamanduateí e Anhangabaú. Ao bandeirismo sucederam-se outras atividades que igualmente levavam os naturais da terra para longe.

São Paulo ociosa

As monções, expedições fluviais que começavam no Tietê, prosseguiam em muitos outros rios e duravam de seis meses a um ano, conduziram alguns poucos à ventura e muitos à ilusão do ouro do Cuiabá. As tropas de mulas organizadas por paulistas pela mesma época (século 18) percorriam do Rio Grande do Sul a Minas Gerais, Goiás ou Bahia, transportando gêneros alimentícios e outras mercadorias.

Os paulistas eram possuídos daquilo que Sérgio Buarque de Holanda chamou de ""vocação para o caminho, que convida ao movimento". Continuavam a procurar longe o remédio para a pobreza.
São Paulo começa a mudar de sorte, todos sabem, quando o café desponta em seu socorro. Ele vem chegando pelo Vale do Paraíba, e nessa fase não traz nenhum benefício à cidade. Dá-lhe as costas e toma o rumo do Rio de Janeiro, o porto de onde será exportado.

Seus bons efeitos passam a se fazer sentir quando dobra a esquina e vai se instalar na região de muito mais amplas extensões cultiváveis e solo muito mais generoso, que na época era chamada de ""Oeste paulista" -a região de Campinas.

São Paulo tinha a ventura de se situar no meio do caminho entre a região produtora e o porto de Santos, que a partir de então passa a escoar a produção.

A São Paulo Railway, também conhecida como "a Inglesa", ou "Estrada de Ferro Santos-Jundiaí", inaugurada em 1867, veio dar escala ao negócio e, melhor, passava pela cidade.

São Paulo estava salva por sua qualidade de entroncamento de caminhos, já testada e aprovada nos tempos das tropas de mulas.

CONCENTRAÇÃO

Em 1872, por ocasião do primeiro censo de alcance nacional, realizado pelo governo imperial, foram contados 31.385 habitantes em São Paulo. Ainda era apenas a nona entre as capitais brasileiras, superada por Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Belém, Niterói, Porto Alegre, Fortaleza e Cuiabá. Mas já estava em posição de arrancar.

Em 1890, por ocasião do segundo censo nacional, pulava para 64.934 habitantes, e em 1900, com seus 239.820 habitantes, já assumia o segundo lugar entre as cidades brasileiras, só atrás do Rio de Janeiro.

Em termos históricos, foi ontem. É de ontem a concentração em São Paulo de uma economia forte, capaz de atrair investimentos.

ROBERTO POMPEU DE TOLEDO é autor de "A Capital da Solidão - uma História de São Paulo das Origens a 1900".

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