Folha de S. Paulo


Com escândalo, Petrobras fica com menos opções de financiamento

A Petrobras pode ter que aumentar os preços dos combustíveis, cortar gastos ou buscar uma injeção de capital por parte do governo no próximo ano, uma vez que o aprofundamento do escândalo de corrupção ameaça deixar a empresa temporariamente fora dos mercados de capitais.

No entanto, essas ações não seriam fáceis de implementar e podem não ser suficientes para substituir completamente os mercados internacionais de títulos como a principal fonte de financiamento da empresa, disse um executivo de banco que ajudou a supervisionar algumas das ofertas de bônus da estatal nos últimos anos.

No mês passado, a Petrobras atrasou a divulgação do resultado do terceiro trimestre após auditores se recusarem a assiná-lo, diante de alegações de que a estatal sistematicamente pagou mais por ativos e para empreiteiras contratadas.

Se os auditores não aprovarem os resultados anuais da companhia até abril, isso poderia desencadear o pagamento antecipado de até US$ 11 bilhões em títulos e um empréstimo de um banco local de US$ 5,8 bilhões, de acordo com outra fonte com conhecimento da situação.

Na verdade, poucos esperam que a Petrobras possa dar calote em sua dívida, uma vez que provavelmente negociaria uma solução com os detentores de títulos e bancos. Mas é improvável que os investidores em títulos globais participem de qualquer nova emissão da Petrobras até que a empresa tenha informações financeiras auditadas adequadamente, afirmaram o UBS Securities e o Morgan Stanley & Co, em relatórios analíticos.

Isso significa que a empresa pode ter que procurar outras formas para financiar seu plano de negócios de cinco anos de US$ 220 bilhões, o maior da indústria petrolífera mundial.

Embora a presidente Dilma Rousseff possa permitir que a Petrobras eleve os preços da gasolina no próximo ano, ela provavelmente resistiria a qualquer esforço de reduzir o plano, uma vez que faz parte fundamental do programa emblemático de investimentos de sua administração.

Cerca de 68% do financiamento do plano já foi contratado, afirmou a Moody's Investors Service recentemente.

JOIA DA COROA

"Leve em conta a investigação de corrupção, a percepção de risco e as restrições financeiras da Petrobras em curso, e você verá como a sua capacidade de geração de caixa está gravemente ameaçada", disse o executivo, que pediu anonimato por causa da sensibilidade da questão.

A dificuldade em delinear o financiamento ressalta os ventos contrários neste momento para a Petrobras, que há apenas 20 meses vendeu US$ 11 bilhões em títulos, um recorde para uma empresa do mercado emergente.

O escândalo de corrupção, juntamente com anos de desenfreada acumulação de dívida, está gerando preocupação de que a Petrobras poderia perder seu cobiçado grau de investimento, elevando os custos de empréstimos.

Anunciada por autoridades na última década como a joia da coroa da economia do Brasil, a Petrobras tornou-se um símbolo da queda da boa-vontade com o país. A empresa planeja publicar os resultados não auditados do terceiro trimestre na sexta-feira, mas é pouco provável que isso amenize as preocupações sobre o impacto do escândalo de corrupção nas operações e nos planos de captação de recursos.

"Eu acredito que nenhum investidor vai comprar ações ou títulos com o risco atual, pelo menos não sem a devida papelada auditada", disse Ulisses de Oliveira, que ajuda a administrar US$ 400 milhões em títulos de dívida de mercados emergentes para a Galloway Gestora de Recursos, em São Paulo.

Os obstáculos ao financiamento vêm em um momento em que os preços do petróleo estão caindo e ameaçam a receita. O fluxo de caixa livre, uma medida de dinheiro excedente após os pagamentos aos detentores de títulos e ações, deve voltar a ficar positivo apenas em 2017, estimam os analistas.

A Petrobras, que se recusou a comentar o assunto, ainda não definiu uma data para publicar resultados auditados.

Se a Petrobras conseguir assegurar um financiamento novo, ele virá com custo maior por causa dos riscos acrescidos decorrentes do escândalo de corrupção.

Os bônus da Petrobras com vencimento em março de 2024 e cupom de 6,25 estão atualmente remunerando perto de 6,5%, o mais alto nível em cerca de um ano e meio. Esse rendimento está no mesmo patamar de emissores classificados abaixo do grau de investimento.

OPERAÇÃO LAVA JATO

O escândalo também está colocando pressão sobre Dilma Rousseff, que foi presidente do Conselho de Administração da Petrobras entre 2003 e 2010. A investigação da Polícia Federal, denominada Lava Jato, foi lançada em março, quando policiais começaram a investigar um suposto esquema de lavagem de dinheiro.

O escritório de advocacia com sede em Nova York Wolf Popper apresentou na terça-feira uma ação coletiva contra a Petrobras em nome de investidores que compraram ações da empresa nos Estados Unidos entre maio de 2010 e novembro deste ano. A ação, que alega que a Petrobras emitiu declarações enganosas que ajudaram a esconder o esquema de corrupção, pode dificultar ainda mais a capacidade da empresa para acessar o mercado norte-americano.

A Petrobras toma no mercado cerca de metade de seus gastos de capital de US$ 40 bilhões por ano, em grande parte com a emissão de bônus.

Mesmo se os bancos e investidores no Brasil não ligarem para riscos de concessão de crédito para a Petrobras, os mercados de crédito e de títulos locais são muito pequenos para suprir a empresa com o financiamento de que necessita para realizar seus projetos, disse outro executivo de banco.

A empresa pode ainda recorrer ao BNDES para obter crédito, mas não está claro se o banco teria dinheiro suficiente para Petrobras. O BNDES não quis comentar.

A Petrobras pode pagar por suas operações por cerca de seis meses sem que tenha que recorrer ao mercado de dívida, disseram executivos da petroleira no mês passado.

A Petrobras, petrolífera mais endividada do mundo, com um passivo total de US$ 140 bilhões, tem US$ 54 bilhões em títulos em mercado. A dívida líquida está acima da meta de alavancagem de 2,5 vezes lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização, e acima do limiar de 35% do capital próprio.

"Com a recente queda dos preços do petróleo, que reduziu mais de 30% dos níveis de meados do ano, esperamos menor geração de caixa e isso vai tornar a empresa mais dependente da venda de ativos ou de dívida para financiar as despesas futuras com o desenvolvimento", disse a Moody's.

As ações caíram cerca de 47% desde que as investigações começaram a ganhar força há três meses. O diretor financeiro da empresa, Almir Barbassa, renovou em 17 de novembro a promessa de não vender novas ações, quando delineou planos para rever a contabilidade Petrobras.


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