Folha de S. Paulo


Empresário terá de construir e vender 3.600 apartamentos da vila dos atletas

Carlos Carvalho, 90, não consegue ver com a regularidade que gostaria os sete netos e os dois bisnetos. Culpa de sua extenuante jornada de trabalho -que deve piorar nos próximos meses.

Dono da empresa imobiliária Carvalho Hosken, que fundou em 1951 com o colega da faculdade de engenharia Jacques Hosken, trabalha 12 horas por dia durante a semana e algumas horas também nos fins de semana.

Criada para fazer obras públicas, a empresa mudou de ramo nos anos 1970, quando Carvalho já não tinha mais o sócio Hosken, mas ganhou dele o direito de não mexer no nome que já era conhecido.

Foi quando Carvalho viu no plano piloto da Barra da Tijuca, elaborado pelo urbanista Lúcio Costa, uma oportunidade de negócio: comprar terras na região que, acreditava, seria o lugar para onde a cidade cresceria.

Daniel Marenco/Fohapress
Carlos Carvalho na obra da vila dos atletas, no Rio
Carlos Carvalho na obra da vila dos atletas, no Rio

Na época, a Barra era um areal, palco de inúmeras disputas de posse. Quando Rio e Guanabara se fundiram, em 1975, a Justiça decidiu que a posse era de quem tinha registro do imóvel. "Corri para negociar com os reais donos logo, pagando menos."

A agilidade logo lhe deu a propriedade de 10 milhões de metros quadrados, 8% da região da Barra e de Jacarepaguá, o que lhe valeu a alcunha de "dono da Barra".

Desde então, seu negócio é repassar terrenos para construturas erguerem condomínios idealizados por sua empresa. Como pagamento, recebe algumas unidades. Já repassou 60% das terras, tendo perdido, assim, o título para o italiano Pasquale Mauro, 82, que, com estratégia igual, acumulou área semelhante, mas "gastou" menos dela.

Um dos mais recentes repasses feitos por Carvalho -contra sua vontade, diz- levou 9% do território original. E é o motivo pelo qual ele não vai conseguir tão cedo reduzir sua jornada de trabalho.

A história remonta a 2005, quando o então prefeito do Rio, César Maia, e o Comitê Olímpico Brasileiro escolheram um terreno seu para erguer a vila dos atletas que viriam para o Pan-2007.

A escolha considerou a proximidade com lugares em que haveria competição. A ideia era que ele bancasse a obra, enquanto faturava com a venda dos apartamentos.

Carvalho não queria o compromisso de construir e vender tantas unidades em tão pouco tempo. Mas topou.

"Era melhor eu fazer do que desapropriarem e alguém fazer prédios ruins e feios."

Vereadores vetaram a escolha em prol de outra área. "Ele ficou aliviado", diz Maia.

Quando o Rio se candidatou a sediar a Olimpíada de 2016 -com Eduardo Paes prefeito-, o COB lembrou-se da área de Carvalho, já que equipamentos olímpicos seriam construídas em terreno em frente. "Não deu para escapar", diz Carvalho.

Tornou-se assim responsável por erguer a vila dos atletas, que batizou de Ilha Pura. São 31 prédios, com 3.604 apartamentos a serem entregues até março de 2016, a tempo de o COB preparar para receber 18 mil atletas a partir de julho de 2016.

O número é dobro do que o setor imobiliário põe à venda por ano na região. O cenário econômico, com crescimento incerto e compradores endividados, amplia o desafio da venda. O projeto custa R$ 2,5 bilhões, com cerca de 8.000 funcionários.

"Você quer saber se vou quebrar?", diz, sorrindo. "Com o patrimônio que tenho, não." Não revelou quanto tem. "Minha preocupação é não dar tempo de entregar. Mas estamos com 55% de tudo pronto. Vai dar."

A escolha que Carvalho diz ver como ônus beneficiou-o, dizem empresários do setor. Acelerou o desenvolvimento da área, até então erma, de uma forma que não ocorreria sem a Olimpíada. A rua vai receber, por exemplo, o BRT, sistema de ônibus de alta velocidade que faz parte dos compromissos assumidos pelo Rio para sediar os Jogos.

As obras da vila iniciaram-se em 2012. "Pedi R$ 2 bilhões emprestado, uma vez que o prometido empréstimo da Caixa Econômica Federal, a juros menores, só saiu em julho." É sócio, no projeto, da Odebrecht Realizações Imobiliárias. "Ele é incansável e se preocupa com o futuro do Rio", diz seu presidente, Antônio Pessoa.

Carvalho convenceu a prefeitura e o COB a lhe autorizar a construção de 17 andares em cada prédio, em vez dos 11 iniciais -imposição para limitar o tempo de descida dos atletas. "É para ter mais área livre." Em troca, prometeu instalar elevadores 50% mais rápidos. "Com menos prédios, cai o custo com fundações", diz empresário do setor.

As vendas começaram em outubro. Segundo a empresa, quase 300 unidades foram vendidas. Ele espera vender 1.800 até a conclusão. "Ele é louco de ter entrado nessa. Vai demorar vender tudo", disse um empresário do setor, que pediu anonimato.

Sócio de uma imobiliária diz que o preço será um obstáculo. A unidade mais barata, com 90 metros quadrados, custa quase R$ 800 mil. "Devia ter feito menor, para baratear e não assustar."

"Produtos de alto nível são mais caros", diz Carvalho.

O lançamento consumiu R$ 80 milhões -R$ 30 milhões gastos em um megaestande com sala de projeção com tela em 180 graus, que exibe filmes sobre o projeto.

Carvalho sugere anúncios. Em um deles, pediu aos publicitários que mostrassem a valorização de seus projetos desde a construção.

O empresário já construiu 50 mil unidades em cerca de 15 projetos. Um dos mais conhecidos, o Rio2 -41 prédios, 3.402 apartamentos padrão classe média- levou a empresa ao momento mais difícil. Em 1997, sua sócia, a Encol, faliu durante a obra. Carvalho, que não lidava com os compradores, chamou-os e negociou prazos para terminar os prédios. Pediu emprestados R$ 150 milhões e entregou os apartamentos.

Outro projeto de Carvalho é um hotel Hilton, investimento de R$ 300 milhões. Inaugura em 2015. "Já está cheio de reserva."

Pai de quatro filhos, de casamentos anteriores, ele diz não pensar em parar. "Estou jovem." O caçula, Carlos Felipe, 34, é o sucessor. "Tem vocação para sofrer."

Apesar da angústia com Ilha Pura, diz-se motivado. "No fim da vida, é ótimo recomeçar já tendo aprendido tanto. Melhor dizendo, nos 50% finais da vida."


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