Folha de S. Paulo


Autora usa ambiente para fazer apelo contra capitalismo

A Nature Conservancy, criada 63 anos atrás, é um gigante entre grupos ambientais. Com US$ 6 bilhões (R$ 15,13 bilhões) em ativos e 3.600 funcionários em 35 países, ela é renomada por estabelecer milhões de hectares de reservas para proteger áreas naturais contra os estragos do desenvolvimento.

Por isso, quando, nos anos 90, uma companhia petroleira doou à organização terras no Texas (EUA) que serviam de habitat a uma das espécies de aves mais ameaçadas dos Estados Unidos, o tetraz das pradarias Attwater, a notícia parecia boa para a espécie.

Imagine a decepção quando foi revelado que a Nature Conservancy reabastecia seus cofres ao permitir que uma companhia de petróleo e gás natural explorasse um poço nas terras que deveriam estar sendo preservadas.

"Para os conservacionistas tradicionais", escreve Naomi Klein em seu novo e provocante livro, "This Changes Everything", (isso muda tudo), "era mais ou menos como descobrir que a Anistia Internacional tivesse aberto uma ala própria na prisão de Guantánamo".

O caso todo, de acordo com Klein, sublinha uma dolorosa verdade no combate à indústria dos combustíveis fósseis. "Boa parte do movimento se fundiu a eles", ela escreve, mencionando grupos ambientalistas que aceitaram doações e parcerias com o setor de combustíveis e incluíram executivos de empresas da área em seus conselhos.

As acusações abrangentes contra esses grupos são um dos motivos para que o livro provavelmente venha a conquistar mais atenção do que é comum em trabalhos sobre a mudança do clima.

Klein é uma das figuras mais influentes da esquerda e uma defensora renomada do combate ao aquecimento global. Ela faz parte do conselho da 350.org, uma organização ativista combativa cujo objetivo é restringir o uso de combustíveis fósseis. Vê-la atacando outras organizações ecológicas com tamanho vigor é como ver o Papa escrevendo uma encíclica contra os católicos.

HORA CERTA

Mas o alvo central do livro vai bem além dos elementos pró-negócios do movimento ambientalista. "This Changes Everything" é um apelo às armas contra o capitalismo do século 21. E o aquecimento global é um aliado.

A tese dela é a de que o movimento de combate ao aquecimento global caiu vítima de um "timing" muito inoportuno. Os cientistas chegaram a conclusões claras quanto aos perigos do aquecimento global nos anos 80, década na qual a fé no poder dos mercados irrestritos cresceu muito, e se tornou extremamente difícil defender argumentos em favor da ação coletiva, regulamentação de mercados e de um papel forte para o Estado.

Agora, escreve, a crise iminente do clima criou uma "oportunidade" para atacar a globalização, a privatização e outros aspectos de um modelo econômico que contrasta com um clima habitável.

Restam incertezas sobre o papel da mudança no clima quanto a eventos climáticos extremos específicos, e quanto ao impacto preciso do futuro aquecimento global.

Klein reconhece os dois pontos, mas afirma que o risco é tão grande que as emissões precisam ser reduzidas. Seu pensamento quanto a isso não é radical. O FMI (Fundo Monetário Internacional) afirma que as emissões precisam ser reduzidas.

O livro de Klein saiu no mesmo dia em que um estudo de um ano de duração. Encomendado pelo Reino Unido e seis outros governos, ele argumenta que a queda no custo da energia renovável e outras mudanças significam que a mudança no clima agora pode ser combatida sem sacrificar o crescimento econômico (e todo o edifício do capitalismo).

Ela diria que já não temos tempo de ver se essas receitas centristas funcionariam. Um centrista poderia dizer que não temos tempo de esperar pelo desmantelamento do capitalismo. Mas quanto mais o mundo tiver de esperar por resposta significativa à mudança do clima, mais atraentes parecerão os argumentos da escritora.


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