Folha de S. Paulo


Recessão no Japão põe Abenomics em xeque

Para onde vai a política econômica de Shinzo Abe, agora?

Menos de dois anos atrás, a grande ideia do primeiro-ministro japonês era elevar o ritmo de crescimento de seu país a 3% anuais em base nominal e 2% anuais em base real e usar o ímpeto assim gerado para reparar as distendidas finanças do governo.

Era esse o objetivo principal das "três flechas" que formam a política econômica do novo primeiro-ministro (que ganhou o apelido de "Abenomics): política fiscal flexível, política monetária frouxa e uma série de reformas de longo prazo.

Mas a surpresa quanto aos dados anunciados nesta segunda-feira (17) sobre o PIB japonês no terceiro trimestre serviu para demonstrar o quanto esses objetivos eram ambiciosos.

Longe de crescer em ritmo anualizado de 2% no período –como quase todos os economistas do setor privado presumiram aconteceria–, o PIB real caiu 1,6%, já que a tépida recuperação no consumo, exportação e gastos públicos, depois da alta dos impostos em abril, terminou sobrepujada pelos investimentos de capital mais baixos por parte das empresas e por grandes reduções nos estoques.

Os analistas dizem que os números –que se seguem a uma contração de 7,3% no segundo trimestre– garantem que o segundo estágio no aumento do imposto sobre o consumo, marcado para outubro de 2015, será agora postergado. Se Abe realmente deseja manter intacta a sua visão para a economia, disse Etsuro Honda, um dos assessores mais próximos do primeiro-ministro, a ênfase deve passar a ser buscar maneiras de promover o crescimento.

Na tarde desta terça-feira feira (18), o primeiro-ministro deve anunciar que o novo aumento de impostos será adiado para abril de 2017. Assessores também indicaram que ele convocará eleições gerais, para tentar aproveitar a fraqueza e fragmentação dos partidos oposicionistas.

Mas os números fracos da segunda-feira devem mudar o teor da campanha de reeleição do Partido Liberal Democrata. Se o crescimento do segundo trimestre tivesse ficado em cerca de 2%, Abe poderia ter argumentado que postergaria o segundo aumento de impostos como demonstração de boa vontade.

Agora, terá de adotar tom mais negativo, afirmando que o primeiro aumento –proposto pelo Partido Democrata, de oposição, em 2012, e encampado pelos liberais democratas– foi evidentemente mais alto do que a frágil economia do país era capaz de sustentar.

Mesmo em base nominal, levando em conta os aumentos de preços, a economia do Japão se contraiu por dois trimestres consecutivos, depois da alta do imposto sobre o consumo em abril. Isso desfez boa parte do bom trabalho dos seis trimestres precedentes de crescimento nominal consecutivo –o período de melhor desempenho para a economia japonesa em mais de 20 anos.

Os números do terceiro trimestre são "um duro golpe" para o programa de crescimento de Abe, disse Koichi Hamada, outro dos assessores próximos do primeiro-ministro.

As autoridades tentaram conter os danos na segunda-feira, quando as ações mostraram sua maior queda desde abril e o iene avançou rapidamente diante de quase todas as moedas fortes. Akira Amari, ministro da Economia e Política Fiscal, pareceu admitir que elevar os impostos antes de "varrer do mapa a mentalidade deflacionária" foi um erro de cálculo. Mas, pelo lado positivo, disse ele, as empresas agora são muito mais lucrativas e os salários "estão definitivamente caminhando na direção certa".

Outros concordam em que os dados não representam o fim da linha para a "Abenomics". Se os estoques tivessem se mantido inalterados, o crescimento real teria sido positivo ante o trimestre precedente, apontou um funcionário do Ministério das Finanças, que também enfatizou a forte alta na arrecadação de tributos empresariais.

O governo provavelmente tem espaço para preparar um pacote de estímulo no valor de 3 trilhões a 4 trilhões de ienes (de US$ 26 bilhões a US$ 35 bilhões), disse Takuji Okubo, diretor da consultoria Japan Macro Advisors –o que viria a se somar aos cerca de 19 trilhões de ienes em suplementos orçamentários adotados desde que Abe assumiu o poder em dezembro de 2012.

O forte compromisso para com medidas de estímulo –compartilhado pelo banco central, que acelerou o seu já radical programa de relaxamento monetário no mês passado– é o principal motivo para que os investidores estrangeiros em geral ainda não estejam prontos para descartar o Japão. O ano passado registrou números difíceis de repetir, com US$ 155 bilhões de influxo ao mercado de ações japonês. Mas até agora este ano o saldo líquido dos ingressos continua positivo, em US$ 7 bilhões.

Abe pousou no aeroporto de Haneda, Tóquio, na tarde de segunda-feira, depois de uma viagem de nove dias ao exterior, e de lá se encaminhou diretamente a uma reunião com o líder do Komeito, partido aliado dos liberais democratas em seu governo de coalizão. Tendo permitido que rumores sobre uma eleição imediata se espalhassem durante sua ausência, é muito pouco provável que o primeiro-ministro recue agora, disse Koichi Nagano, professor de ciência política na Universidade Sophia, em Tóquio.

"Agora está se tornando cada vez mais possível que uma eleição que Abe via basicamente como cerimonial se torne mais desafiadora, mesmo diante de uma oposição dividida", ele disse. "Se a economia está fraca, ele pode alegar, então é melhor confirmar sua liderança do governo do que solapá-la. Ele terá de assustar os eleitores e levá-los a pensar que melhor com Abe do que sem ele."

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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