Folha de S. Paulo


Crítica: Autor analisa os pilares do êxito econômico do pós-Guerra

Elas viviam confortavelmente em subúrbios planejados, andavam em carros enormes, consumiam enlatados em modernas cozinhas equipadas. À noite, assistiam pela TV a "Papai Sabe Tudo". Tinham emprego firme, o salário era bom e o otimismo dava o tom para os planos.

Assim vivia parte das famílias de classe média nos Estados Unidos nos Anos Dourados. Do fim da Segunda Guerra até os anos 1970, o país experimentou um ciclo excepcional de crescimento. Lá –e em outros lugares do mundo– a vida parecia resolvida e próspera.

Explicar as razões daquele momento único e de seu esgotamento é a proposta de "Os Dias de Sol, a Trajetória do Capitalismo no Pós-Guerra", de Frederico Mazzucchelli. O novo livro do economista da Unicamp dá sequência a "Os Anos de Chumbo", obra que tratou da economia e da política no entreguerras. Esse último foi vencedor do Prêmio Jabuti de 2010.

Depois de atravessar profunda depressão e contabilizar 50 milhões de mortes no conflito, o mundo emergiu para a prosperidade. Por quase três décadas, o capitalismo pareceu viver um momento de êxtase, escreve o autor.

Cláudia Kfouri

Analisando números e as circunstâncias históricas, ele lembra que a reconstrução da Europa e do Japão foi "conduzida à sombra da Revolução Soviética e da Revolução Chinesa", identificando na polarização da Guerra Fria um elemento-chave do avanço capitalista.

Para Mazzucchelli, a marca registrada do período se encontra na subordinação da economia à política. Por algum tempo, as "tendências dissolventes do capitalismo" foram suspensas. Nessa fase, "os valores da igualdade e da justiça prevaleceram sobre as normas da concorrência e do sucesso individual", anota.

Ele enfatiza a importância da intervenção estatal nesse processo. Em diferentes países, o Estado atuou na economia, definindo setores estratégicos, fazendo investimentos, financiando o setor privado, organizando subsídios, criando sistemas nacionais de crédito e controlando fluxos especulativos de capital.

Dissecando casos específicos, o autor identifica diferenças. Na Alemanha, que já tinha uma poderosa estrutura industrial, o plano estatal se concentrou no incentivo à exportação. Na França e na Itália, o alvo foi a modernização da manufatura.

No Japão, a realização da reforma agrária e a modernização das relações trabalhistas (impostas pelas forças de ocupação) foram vitais para o desmonte da velha ordem e o salto do crescimento. A Guerra da Coreia deu impulso maior à produção japonesa e alemã.

FIM DA ESTABILIDADE

O autor aprofunda seu trabalho na dinâmica norte-americana, avaliando sua importância para o mundo (o Plano Marshall, por exemplo) e internamente. Percorre as várias administrações pós-Roosevelt, recheando os dados econômicos com as disputas políticas e sociais.

Nessa época é que eclodiram com força os movimentos por direitos civis e por igualdades. Social e culturalmente, a pretensa estabilidade das salas de jantar com TV começava a ruir. Guetos de pobreza surgiam nos arredores das metrópoles; protestos políticos estouravam nas ruas; o desastre no Vietnã colocava em debate a hegemonia norte-americana.

Para o autor, o colapso do modelo de crescimento dos anos dourados se deveu ao "esgotamento das possibilidades virtuosas de um determinado padrão tecnológico". A ordem estabelecida no final da guerra desmoronou com o fim da paridade ouro/dólar. Depois, vieram os choques de juros e do petróleo.

Com Nixon e Reagan, o conservadorismo e o individualismo voltaram à cena. Os pilares das medidas de alcance social construídas pelos movimentos sociais e por Roosevelt foram erodidos.

O papel do Estado foi sendo criticado; o individualismo competitivo passou a ser exaltado. "O capitalismo domesticado pela sociedade" cedeu lugar à "ditadura dos mercados financeiros internacionalizados", afirma.

Sem ser exaustivo e com lacunas assumidas (não há nada sobre a América Latina no período, por exemplo), o livro se detém no centro do capitalismo. Conciso, é uma boa leitura. Tem, como reconhece Mazzucchelli, um certo tom de nostalgia. Nostalgia de uma era que se choca por completo "com a dura realidade do capitalismo atual, o tempo cruel das finanças desregulamentadas".

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OS DIAS DE SOL - A TRAJETÓRIA DO CAPITALISMO NO PÓS-GUERRA
AUTOR Frederico Mazzucchelli
EDITORA Facamp
QUANTO R$ 45 (238 págs.)
CLASSIFICAÇÃO Bom


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