Folha de S. Paulo


Chanel estuda baratear produtos no Brasil, diz presidente da marca

Minutos antes do desfile da Chanel, na última terça (30), o presidente da grife, Bruno Pavlovsky, esperava o repórter exatamente como comanda há 24 anos os negócios da marca francesa, uma das mais fechadas do ramo: inquieto e sem tempo a perder.

O trânsito era caótico na região onde ocorreu o desfile da grife nesta semana de moda de Paris. "Você está atrasado", disse ao repórter.

É que atrasos não combinam com seu perfil, nem com o do estilista alemão Karl Lagerfeld, 81, diretor criativo da Chanel, com quem Bruno até hoje compartilha o título de dupla dinâmica da moda mundial -e, estima-se, faz girar cerca de US$ 3 bilhões só em roupas e acessórios.

"Discutimos todos os dias como adaptar a criatividade aos negócios. Ele é excelente em reconhecer comportamentos futuro e transferir isso para os desfiles e a criação", conta Pavlovsky.

À Folha o executivo falou do momento da marca no Brasil, do mercado de moda brasileiro e, sem citar números -como é praxe quando se trata da Chanel-, admitiu que os preços da grife são caros e que ainda não achou a fórmula para competir com os altos impostos do país.

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Folha - Quais as mudanças que teve de fazer na operação brasileira ao longo desses quatro anos desde que a grife iniciou sua expansão no Brasil?

Gastamos a mesma energia para desenvolver e investir no mercado brasileiro. Fomos mudando, nos adaptando, porque o custo de fazer negócios no Brasil é alto. Ao mesmo tempo, percebemos a necessidade de oferecer no Brasil o mesmo que está no resto do mundo. As pessoas são diferentes nos diferentes mercados, como a China, mas para nós o objetivo é unir esses universos. Não podemos desconectar os consumidores do mundo. Mas, veja, a Chanel tem apenas duas butiques [de roupas] no Brasil, é difícil competir com outras e desenvolver os negócios. Além disso, há um problema grande que são as taxas de importação. Para a mulher, os preços altos que cobramos é um obstáculo. Quando entramos no Japão encontramos o mesmo ambiente difícil, mas, degrau por degrau, fomos entendendo como trabalhar com dificuldades. Dos países emergentes [o Brasil] é o mais difícil de importar os produtos, porque os impostos são das mais altas entre os países em que estamos investindo, como a China, a Rússia, Índia.

Karl Lagerfeld
Bruno Pavlovsky retratado pelo estilista Karl Lagerfeld
Bruno Pavlovsky retratado pelo estilista Karl Lagerfeld

Mas eles compram mais artigos de luxo, certo? Alguns executivos dizem que a China é uma realidade, e o Brasil, um sonho [para as marcas estrangeiras].

Não vejo dessa forma. Os itens mais vendidos da Chanel são os mesmo de outros países. Precisamos contornar essa situação dos impostos e da distribuição. Se você está disposto a oferecer tudo o que sua marca tem para oferecer você pode entrar no Brasil. O brasileiro viaja muito, então, o ponto é saber como compram fora do país, tanto na Europa e nos Estados Unidos quanto em países próximos da América do Sul. Esse é um dos desafios que estamos tendo de enfrentar. O problema é que o Brasil é um dos países mais caros para se importar. Nossos produtos ficam muito mais caros do que gostaríamos porque temos de pagar em dobro tudo o que chega aqui. Essa é a razão de as marcas internacionais estarem tendo dificuldades de manter os negócios. Não é o consumidor, porque os brasileiros vão a Londres, Paris ou qualquer outro lugar do mundo e estão bastante interessados nos nossos produtos. Percebemos que há um interesse grande em nosso prêt-à-porter e abrir lojas no próximo ano e nos seguintes são nossa estratégia de crescimento. Mas primeiro precisamos entender para onde caminhamos, porque o Brasil, como disse, é diferente do resto do mundo para fazer negócios. Após abrirmos mais lojas no próximo ano e nos seguintes, vamos trabalhar melhor essa distância entre as coleções.

A mulher brasileira é diferente da de outros países quando se trata de estilo?

No caso da Chanel são iguais. O sonho é o mesmo. Percebemos que elas querem consumir nossas coleções de pronto a vestir [de desfile], mas querem ter o mesmo produto que encontram quando viajam e ao mesmo tempo. Aí está o problema que tem de ser resolvido. Esse "gap" de preços e a logística de importação é difícil de entender. De resto, oferecemos oito coleções ao ano [entre resort, prêt-à-porter e alta costura] para ter oferta para todos os tipos de clientes. Você encontra até tênis na Chanel. A questão, mais uma vez, é como disponibilizar isso mais rapidamente. A logística externa é muito, muito difícil.

O consumo mudou muito desde que você e Karl [Lagerfeld] começaram a trabalhar juntos na Chanel. O que vê como mais visível nessa mudança?
A grande diferença da forma de vender roupas antigamente para hoje em dia é a velocidade. A coleção que você vê hoje [no desfile] tem de estar nas lojas prontas e bem acabadas em fevereiro. E isso envolve movimentar toda a nossa produção, a manufatura, a compra dos componentes, a distribuição. Esse é o maior desafio de manter uma grife como a Chanel funcionando.

Como funciona a parceria Pavlovsky-Lagerfeld? Conversam muito?
Karl e eu damos certo juntos porque discutimos todos os dias. Ele é excelente em identificar o comportamento das pessoas e transferir isso para as coleções e para os desfiles. Para ser muito franco, é um sentimento que compartilhamos [a Chanel] e estamos absolutamente confortáveis para mudar quando for necessário. Preciso dar liberdade a ele para se mover, porque o que é importante agora para as clientes pode não ser amanhã. Todas as coleções vendem bem, do resort à alta-costura.

Venderá alta-costura no Brasil?
Alta costura tem a ver com tudo o que é exclusivo. Mais e mais pessoas estão interessadas nesse serviço, inclusive no Brasil. Queremos desenvolver essa divisão no país porque sabemos do interesse, mas pronto a vestir é nosso business. Costumo dizer que o prêt-à-porter é a duplicação e a alta costura é a perfeição.

Acompanha as eleições para presidente no Brasil?
É claro que acompanhamos. Estamos esperançosos quanto aos próximos anos. [Ele não cita nomes].


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