Folha de S. Paulo


O modo de Jack Ma, fundador do gigante Alibaba Group

No resplandecente China World Hotel, de Pequim, dezenas de câmeras estavam em ação enquanto confetes coloridos se despejavam do teto. Era o dia 11 de agosto de 2005 e a festa era o lançamento mundial da Alibaba, uma companhia iniciante de comércio eletrônico chinesa.

Depois de meses de frenéticas negociações, o gigante da Internet Yahoo havia fechado acordo para investir US$ 1 bilhão na empresa, criando elos comerciais mais firmes, em troca de uma fatia de 40% no capital da companhia.

O fundador da Alibaba, Jack Ma, magro, enérgico e com altura de pouco mais de 1,53 metro, ostentava um sorriso reluzente, declarando que o lançamento estava acontecendo no dia dos namorados chinês, e que as duas empresas formavam um lindo casal: "só um tolo recusaria". Para ele, o evento era uma festa de apresentação pessoal, igualmente: a parceria abriria caminho para que o Alibaba se tornasse um colosso internacional.

Ma estava deslumbrado há dias com um acordo que ofereceria uma grande infusão de capital à sua companhia, bem como acesso irrestrito à tecnologia de buscas do Yahoo. Estava especialmente efusivo por o eBay e Meg Whitman, então presidente-executiva da companhia, terem levado o Yahoo a apresentar uma oferta rival ao fazerem um lance muito agressivo pelo Alibaba.

Reuters
Fundador do Alibaba celebra o aniversário de dez anos da Taobao Marketplace, site de e-commerce
Fundador do Alibaba celebra o aniversário de dez anos do Taobao Marketplace, site de e-commerce

Mas Ma não demorou para começar a reconsiderar a parceria. Sua preocupação era que tivesse vendido a participação por preço baixo demais, e cedido controle demais sobre sua empresa ao fazê-lo.

Em um esforço para recomprar a maioria, se não todas, as ações vendidas do Alibaba, Ma iniciou negociações que se arrastaram por diversos anos. Com o agravamento dos problemas em seu relacionamento com o Yahoo, ele transferiu o controle do Alipay, o serviço de pagamentos eletrônicos em rápido crescimento que o Alibaba havia criado, para uma empresa separada, controlada por ele. Ma não solicitou permissão do conselho do Alibaba para a transferência - simplesmente ordenou que ela acontecesse.

Embora o Yahoo se queixasse, Ma parece por fim ter conseguido tudo que queria. Em 2011, negociou um acordo que conferia a ele e a alguns assessores cruciais controle majoritário sobre o Alipay, uma das peças mais importantes do grupo. Um ano mais tarde, Ma conseguiu a aprovação de um plano para a redução da participação do Yahoo no Alibaba.

Quando o Alibaba Group abrir seu capital, este mês, em uma oferta pública inicial que pode avaliar a companhia em cerca de US$ 160 bilhões, os investidores terão pouca dúvida sobre quem está no controle da companhia. Ma, 49, é a face pública do Alibaba. Ele é o principal negociador. Ele é o principal estrategista. Ele é o maior investidor individual na companhia, com 9% das ações.

O Alibaba, companhia que Ma criou em seu apartamento em 1999, agora é um colosso tecnológico com valor mais alto que potências norte-americanas como a Hewlett-Packard e eBay. Sob sua liderança, o Alibaba se tornou não só a força dominante no comércio eletrônico chinês mas também um símbolo na espantosa ascensão econômica do país.

A companhia tem 250 milhões de compradores ativos na China, e pedidos feitos por intermédio dela respondem por 60% dos pacotes entregues no país.

Esse sucesso ajudou a fazer de Ma um executivo célebre, e um empresário que se sente confortável convivendo com os magnatas de negócios em suas conferências em Davos, comandando visitas à sua companhia por membros da elite política chinesa e promovendo a "sabedoria de Jack Ma" em livros e DVDs. A oferta pública inicial pode fazer de Ma, já um dos homens mais ricos da China, o proprietário de uma fortuna de mais de US$ 15 bilhões.

Ele prometeu doar boa parte desse dinheiro, o que faria dele instantaneamente um dos maiores filantropos do planeta. (Ma e o Alibaba não quiseram comentar para este artigo, mencionando restrições regulatórias a pronunciamentos das partes interessadas no período que antecede à oferta pública inicial.)

Ma se acostumou a fazer as coisas de seu modo. É comum que feche acordos com amigos e que compre empresas em setores aparentemente não relacionados aos seus negócios. Às vezes, é difícil determinar se um investimento é pessoal ou profissional, porque as fronteiras entre a carteira pessoal de Ma e os negócios controlados pelo Alibaba são difíceis de distinguir.

Como muitas companhias chinesas, o Alibaba opera por trás de uma complicada estrutura de propriedade, o que ajuda a limitar as objeções de acionistas dissidentes.

REBELDE E PRECOCE

Ma cresceu em Hangzhou, uma cidade do leste da China, como segundo dos três filhos de um casal de artistas de pingtan, uma técnica tradicional de narrativa musical. Os vizinhos o definem como menino baderneiro e muitas vezes rebelde, mas a realidade é que ele talvez fosse apenas precoce.

Aos 10 anos, Ma Yun, como é conhecido em chinês, começou a se interessar pelo idioma inglês, e ia de bicicleta ao Hangzhou Hotel para praticá-lo com os turistas estrangeiros, o que ele diz ter servido para abrir sua mente ao mundo mais amplo.

Sua falta de competência na matemática quase impediu que ele entrasse na universidade, mas depois de passar no exame nacional de admissão universitária em sua terceira tentativa, Ma conseguiu vaga em uma faculdade local de pedagogia, onde se saiu muito bem e foi eleito presidente da união dos estudantes.

Ao se formar, em 1988, ele arranjou emprego como professor de inglês no Instituto de Engenharia Eletrônica de Hangzhou, ganhando US$ 14 por mês, e rapidamente se tornou um dos instrutores mais populares da instituição.

A economia da China estava começando a decolar, e Ma viu a oportunidade de exercitar seu espírito empreendedor. Nas horas vagas, contam amigos, ele se tornou sócio de uma agência de traduções, vendia remédios e começou a investir em ações. "Se eu não tiver me tornado milionário até os 35 anos", ele brincou com o amigo Qi Xiaoning, "por favor me mate".

Ma visitou os Estados Unidos pela primeira vez em 1995. Havia feito amizade com Bill Aho, norte-americano que ensinava inglês em Hangzhou, e se hospedou com parentes de Aho em Seattle. Lá, Stuart Trusty, genro de Aho e dirigente de um dos primeiros provedores de acesso à Internet dos Estados Unidos, o VBN, apresentou o visitante à World Wide Web.

Ma voltou para a China e criou uma das primeiras companhias de Web do país, a China Pages, um guia online para empresas do país interessadas em obter clientes no exterior. Antigos colegas dizem que ele trabalhava incansavelmente, de porta em porta, tirando fotos, recolhendo informações e traduzindo o material para o inglês. Quando completava o trabalho, enviava o material pelo correio para a VBN em Seattle, para que as informações fossem postadas na Web.

A China Pages enfrentou dificuldades inicialmente, mas Ma manteve o otimismo.

E então ele perdeu o controle da empresa. Em 1996, a China Pages foi pressionada a formar uma joint venture com a Hangzhou Telecom. O acordo deixava o governo firmemente no controle da parceria.

Desencorajado, Ma se mudou para Pequim para trabalhar na Infoshare, uma agência de publicidade na Internet criada pelo Ministério do Comércio chinês. Ma durou apenas 14 meses no cargo. Ávido por dirigir seu próprio negócio, decidiu voltar a Hangzhou.

"COM OU SEM VOCÊ"

Quando Ma criou o Alibaba, em 21 de fevereiro de 1999, convidou 17 amigos para uma reunião em seu apartamento no segundo andar do condomínio Lakeside Gardens, em Hangzhou. Na sede provisória da empresa, ele falou longamente sobre suas ambições e sobre como a China precisava de uma startup de primeira linha. O nome foi escolhido, disse Ma mais tarde, "porque todo mundo conhece a história de Alibaba. Ele é um jovem disposto a ajudar os outros".

A companhia foi construída sob premissa semelhante: ajudar empresas a encontrar clientes no exterior. Se um varejista norte-americano estava em busca de um fornecedor chinês de chinelos de algodão, podia recorrer ao Alibaba.com. Se um fabricante chinês de botões queria exportar para a Coreia do Sul, podia anunciar no site. O Alibaba, na visão de Ma, seria como uma sala virtual de reuniões para as pequenas e médias empresas envolvidas no comércio mundial.

Um mês depois, o Goldman Sachs comandou uma rodada de capitalização de US$ 5 milhões para a companhia. Pouco depois, Masayoshi Son, presidente do conselho do SoftBank, do Japão, e um dos homens mais ricos do mundo, concordou em liderar uma segunda rodada de capitalização, em valor de US$ 20 milhões. Além dos investidores estrangeiros, Ma também cedeu porções generosas da empresa aos seus 17 co-fundadores chineses, a maioria dos quais amigos e ex-alunos, entre os quais Cathy, a mulher de Ma.

Mas o poder continuava em geral concentrado nas mãos dele. Ma e seu principal assessor, Tsai, detinham dois dos quatro assentos no conselho da empresa. Ma também controlava as companhias subalternas que o Alibaba usava para operar na China.

A China restringe o investimento estrangeiro em setores considerados sensíveis, como a Internet. Para evitar problemas, Ma estabeleceu uma holding offshore, nas ilhas Cayman. Os investidores estrangeiros adquirem cotas nessa entidade offshore, e têm direito contratual a participar dos lucros. Mas a maioria dos ativos do Alibaba são na prática controlados por Ma e outro dos co-fundadores, Simon Xie.

Ma muitas vezes tem a última palavra quanto à estratégia. Em 2002, ele propôs criar um site voltado ao consumidor, para concorrer com o eBay. A maioria dos executivos importantes da empresa se opunha à ideia, porque o eBay era uma companhia formidável e sua parceira na China já detinha uma grande parcela do mercado chinês.

Com financiamento do SoftBank, o Alibaba criou um grupo secreto de trabalho para desenvolver um site para o consumidor, chamado Taobao, ou "procurando tesouros", em chinês. Quando ele foi lançado, em julho de 2003, o Alibaba empregou o novo serviço em uma guerrilha contra o eBay e seu parceiro chinês, o EachNet. O EachNet era mais um site de leilões, e cobrava comissão sobre as transações. O Taobao permitia vendas diretas, e inicialmente era gratuito.

Ma previu que a operação chinesa do eBay logo desabaria, devido à pressão para gerar lucros rapidamente. Ele tinha razão.

Com o Taobao crescendo rapidamente, o eBay agiu para propor um acordo, de acordo com pessoas envolvidas nas negociações. Na metade de 2005, Whitman realizou reuniões sigilosas com Ma na China para discutir cooperação com o Alibaba ou possivelmente a compra do Taobao. Ma foi convidado a visitar a sede do eBay em San Jose, Califórnia.

Mas Ma queria manter o controle do negócio e iniciou conversações com Jerry Yang, co-fundador do Yahoo, que estava em busca de novas oportunidades na China, de acordo com pessoas envolvidas nas negociações. O acordo era um bom negócio. Ma recebeu uma injeção de capital de US$ 1 bilhão, para adquirir as participações de alguns acionistas e para investir. E também teria acesso a uma coleção de sites como o Yahoo China, que ele imaginava pudessem ajudar a fazer do Alibaba uma potência.

CONSOLIDANDO O PODER

A lua de mel não durou muito.

Depois que Yang renunciou à presidência executiva do Yahoo, em janeiro de 2009, a nova equipe de gestão da companhia norte-americana entrou em choque com os principais executivos do Alibaba. O Yahoo fechou um acordo de publicidade e buscas com a Microsoft, naquele mesmo ano, e suspendeu o fornecimento do apoio técnico que deveria prestar ao Alibaba nos termos do acordo de parceria entre as duas companhias. Também começou a concorrer com o Alibaba por publicidade na China.

O mais importante é que o Yahoo rejeitou as ofertas de recompra de ações apresentadas pelo Alibaba.

Entre a metade de 2009 e o começo de 2011, Ma transferiu o controle de seu serviço de pagamentos eletrônicos, Alipay, para uma empresa de capital fechado controlada por ele, para todos os efeitos tirando a companhia do Alibaba Group.

A decisão unilateral irritou o Yahoo, que alegou que ela havia sido tomada sem aprovação do conselho. Ma alegou mais tarde que o conselho havia sido informado. Ele afirmou que, quando os membros do conselho demoraram demais a decidir, ele se havia visto forçado a transferir a propriedade da companhia a fim de cumprir novos regulamentos quanto a serviços online de pagamento.

Depois de intensas negociações, o Yahoo, SoftBank e Alibaba chegaram a um acordo, que parecia favorecer Ma. O Yahoo e o Softbank - que entre eles detinham 70% do controle do Alibaba Group - receberiam 49% dos lucros do Alipay, e um grupo de funcionários não identificados receberiam o restante.

Como parte do acordo, Ma também conquistou o controle de uma holding que geria a afiliada de serviços financeiros do grupo, incluindo o Alipay, principal processador de pagamentos para os diversos sites do Alibaba. A holding, agora conhecida como Zhejiang Small and Micro Financial Services Co., foi expandida para incluir produtos de gestão de patrimônio, empréstimos a pequenas empresas e o maior fundo chinês de mercado monetário. Com sua capacidade de lucrar com as transações dos usuários do Alibaba, a holding vale cerca de US$ 25 bilhões, de acordo com analistas.

Mais ou menos ao mesmo tempo, Ma começou a realizar transações agressivamente com um pequeno círculo de empresários com os quais convive. O grupo inclui alguns dos mais bem sucedidos dos empreendedores chineses, como Guo Guangchang, do Fosun Group, um conglomerado de Xangai; Shen Guojun, da China Yintai Holdings, incorporadora de imóveis comerciais; e Shi Yuzhu, presidente do conselho da Giant Interactive, uma produtora de jogos online.

Juntos, eles trabalharam em uma rede de transações interconectadas, tanto para benefício pessoal quanto para lucro empresarial.

FOMENTANDO CONEXÕES

À medida que o Alibaba cresce, sua ação não afeta apenas o setor de varejo físico mas também setores sob domínio estatal como a mídia, finanças e telecomunicações. Para ajudar a controlar qualquer oposição do governo, dizem amigos, Ma vem cultivando relacionamentos cada vez mais fortes com Pequim.

Um exemplo é o trabalho do Alibaba como um principais patrocinadores do Conselho Jovem de Negócios, uma organização assistencial apoiada pelo Estado e criada por Gu Liping, mulher de Ling Jihua, naquele momento assessor do presidente da China e visto como um dos mais poderosos funcionários do governo chinês. Ma também serve como vice-presidente da Associação da Indústria Cultural Chinesa, uma organização sem fins lucrativos que opera sob o controle do Ministério da Cultura.

O Alibaba também desenvolveu relacionamentos com investidores bem conectados politicamente. Quando a companhia pagou US$ 7,6 bilhões para recomprar boa parte de suas ações junto ao Yahoo, em maio de 2012, uma grande porção dos papéis foi vendida ao fundo de investimento nacional chinês e a duas companhias de capital fechado do país.

Uma delas é a Boyu Capital, co-fundada por Alvin Jiang, neto do ex-presidente Jiang Zemin. Não muito mais tarde, a New Horizon Capital, empresa de capital fechado co-fundada pelo filho do então primeiro-ministro Wen Jiabao, também adquiriu um grande bloco de ações do Alibaba, de acordo com registros oficiais.

Os analistas dizem que formar ligações com o governo é parte vital dos negócios na China. As companhias consideram essa prática como forma de melhorar suas chances de conseguir aprovações e licenças. Em certo sentido, essas manobras representam um seguro contra intervenção governamental excessivamente agressiva.

A decisão de Ma de abrir o capital de sua empresa nos Estados Unidos também tem por objetivo manter sua posição.

O Alibaba considerou cotar suas ações em Hong Kong. A companhia solicitou que a Bolsa de valores de Hong Kong permitisse que suas ações fossem cotadas lá a despeito de regras que só permitem um voto por ação; o Alibaba tem uma estrutura societária incomum que dá mais influência aos principais executivos, entre os quais Ma.

Depois que as autoridades regulatórias de Hong Kong se recusaram a abrir exceção, o Alibaba decidiu cotar suas ações na Bolsa de valores de Nova York, que permite estruturas de propriedade mais diversificadas.

Quando o Alibaba abrir seu capital, este mês, os investidores podem decidir se o firme controle de Ma sobre a empresa é vantagem ou problema. O Yahoo e o SoftBank terminaram por aceitar a situação, se não por mais nada, pelos lucros.

Trimestre após trimestre, ano após ano, o Alibaba vem produzindo crescimento espetacular. E a empresa, cuja receita em 2004 foi de cerca de US$ 50 milhões, este ano pode se aproximar dos US$ 10 bilhões.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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