Folha de S. Paulo


Robson Campos

Minha história: Executivo foi office boy e driblou desafios até presidir multinacional

O executivo Robson Campos está na Wärtsilä desde 1990, primeiro ano de operações da multinacional finlandesa no Brasil, que é líder mundial no mercado de motores de geração de energia e propulsão marítima. Ele deixou a empresa em outubro 2009 e retornou em 2010 para assumir a presidência da companhia, que terá em breve sua primeira fábrica no continente americano, em São João da Barra (RJ)

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Paula Giolito/Folhapress
O presidente da Wärtsilä, Robson Campos
O presidente da Wärtsilä, Robson Campos

Sou filho de pai negro e mãe branca. Mulato. Tenho orgulho de ter chegado aonde cheguei, a despeito de todas as dificuldades.

Cheguei sem usar benefício de cotas, que na minha época não existiam. Foi muito esforço pessoal e de quem me apoiou nessa história.

Eu não sei se sou o único brasileiro afrodescendente na presidência de uma multinacional no país. Mas não vejo muitas fotos de presidentes afrodescendentes por aí.

Minha mãe morreu quando eu tinha oito anos. Morei sozinho com meus dois irmãos desde muito novo. Meu pai ficou com outra mulher e fomos criados por minha avó.

Minha primeira infância foi em escola pública. Depois, eu e meus dois irmãos fomos para a escola particular, com bolsa de estudos. Terminei o segundo grau na crise de 1990. Fui trabalhar como atendente de banco, mas não era a minha praia.

Aí veio o plano Collor e as empresas desapareceram. Fiquei três meses procurando emprego. A Wärtsilä [multinacional finlandesa, fornecedora de equipamentos e serviços para os setores naval e de energia, que Campos preside atualmente] estava começando no Brasil e me contratou como office boy, em julho de 1990. Tinha 19 anos.

Quando a empresa começou a crescer, apareceu uma vaga de assistente financeiro, pouco mais de um ano depois. Eu era um "faz-tudo", então a secretária do presidente, que tinha conhecido o meu trabalho, me indicou. Sou grato a ela até hoje.

Embora eu tivesse entrado na faculdade de direito, durante esse tempo, fui fazendo vários cursos na área financeira e aprimorei o meu inglês, já que a empresa era uma multinacional.

Posso até ter uma inteligência um pouco acima da média, mas não acho isso o verdadeiro diferencial. Acho que a minha maior virtude é a inteligência emocional, de olhar a dificuldade e não achar que é intransponível.
Ser assertivo e não esmorecer é o tipo de coisa que eu considero a minha força.

A melhor palavra que define esse perfil é a resiliência: não se abalar pelas derrotas que você sofre pelo caminho.

Tem gente que se deprime com a perda. Isso não me afeta. Erro é aprendizado e você tem que estar pronto para aproveitar as oportunidades quando elas aparecem porque elas aparecem bastante.

Só é preciso ter coragem de entrar, porque você nunca está 100% preparado. Não há um curso de presidente. Isso é coisa que se aprende fazendo.

Com o tempo, fiquei forte em financeiro. Quando o gerente financeiro, finlandês, foi embora, disse que eu estava preparado para assumir.

Então assumi meu primeiro cargo gerencial aos 25 anos de idade. Fui de boy a gerente em cinco anos e isso me deu mais motivação.

Depois de quatro anos como gerente financeiro, senti que não queria ficar fazendo relatório financeiro com "deadlines" [prazos] curtos a vida toda. Eu tinha perfil para a área de negócios.

Aí a companhia abriu um grande projeto para construir uma usina termelétrica em Manaus, e eu me ofereci para tocar e me mudar para lá. Em 1998, já casado, me mudei com minha mulher e minha primeira filha.
Fui arriscar. Eu sabia que, se voltasse para o Rio, não teria uma vaga garantida.

E isso foi um divisor de águas na minha carreira. Naquele momento, estava nascendo o setor de energia como é hoje no Brasil, com os grandes geradores privados. Eu acabei conhecendo essa área bem no início dela.

Realizamos o projeto e voltei para o Rio em 2000, quando me ofereceram a vaga de gerente jurídico e financeiro para a área de energia.

Três anos depois, competi com outros executivos, todos engenheiros, mais velhos e mais experientes do que eu, para assumir a direção da área de energia, um setor nevrálgico para a companhia.

Por ter esse conhecimento mais profundo em negócios de energia, fui escolhido e assumi meu primeiro cargo de direção aos 32 anos.

Foi um desafio muito grande liderar essa turma, embora eu já tivesse muito tempo de casa. De 2003 a 2009, quintuplicamos a área de energia: de 5 pessoas para 40 pessoas.

Foi um grande período de crescimento da empresa como um todo e, depois desse progresso, fiquei muito exposto ao mercado.

Então outra empresa, a Eletricidade do Brasil, me convidou para ser o vice-presidente dela e fazer IPO [oferta inicial de ações]. Depois de 19 anos de casa, eu saí da Wärtsilä em outubro de 2009.

Em fevereiro do ano seguinte, o vice-presidente global da Wärtsilä me ligou. Disse que lembrava que o meu desejo era ser presidente da companhia e que essa hora tinha chegado, porque o executivo finlandês que ocupava o cargo iria para os EUA.

Sete meses depois de ter saído, eu voltei para a companhia como presidente.

E era um outro desafio, o de liderar a empresa em um processo de crescimento que está acontecendo até agora.

Hoje estamos prestes a ter a primeira fábrica da empresa no continente americano, em São João da Barra [RJ], com investimento de R$ 70 milhões, para produzir grupos geradores e propulsores especiais para sondas de perfuração de petróleo e gás.

A Wärtsilä nunca tinha tido um presidente brasileiro. Eu dou muito crédito à empresa, que não tem preconceito de cor, raça e gênero.

Certamente, no mercado, o preconceito existe, explícito ou tácito. Acho que acontece até um preconceito com relação à beleza. Às vezes, quem tem melhor apresentação tem melhor chance.

Vejo ações afirmativas para aumentar a presença de mulheres nos altos escalões, em cargos de diretoria e conselho, mas vejo menos iniciativas em relação à raça.

Eu não apoio a cota de raça simplesmente pelo fato de o beneficiado ser negro. Sou favorável à cota social, de renda. Como a maioria negra tem renda muito baixa, será indiretamente beneficiada.


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