Folha de S. Paulo


Crítica: Jornalista lança luz sobre bolha especulativa nas commodities

Elton John cantou e o Bolshoi dançou no seu casamento com uma ex-modelo russa em São Petersburgo. Tudo foi documentado num filme que ele exibiu numa sala de cinema em Londres quando voltou da lua de mel num safári na África do Sul.

Para o noivo Pierre Andurand a cerimônia foi um momento de distração: seus ganhos estratosféricos no mercado de petróleo estavam desabando e sua empresa registrara perdas de 35%, encolhendo seu patrimônio para US$ 1 bilhão.

No tempo em que era tido como o mais bem sucedido negociante de preços de energia, seu fundo, o BlueGold, chegou a ter uma valorização de 209% ao ano. Mas os números murcharam com as reviravoltas da economia.

Meses depois do casório, ele resolveu fechar a empresa e partiu para férias no Caribe com sua mulher e filha, deixando clientes e investidores furiosos.

Daniel Acker/Bloomberg
O investidor Pierre Andurand, do fundo BlueGold, um dos personagens de
O investidor Pierre Andurand, do fundo BlueGold, um dos personagens de "The Secret Club that Runs The World"

Histórias como essa são pinçadas pela jornalista Kate Kelly em "The Secret Club That Runs The World, Inside the Fraternity of Commodities Traders" [o clube secreto que manda no mundo, por dentro da fraternidade dos negociantes de commodities].

Repórter de finanças da rede norte-americana CNBC, ela trabalhou no "Wall Street Journal" e escreveu "Street Fighters" (2010), relatando os últimos momentos da quebra do banco Bear Stearns, na antessala da crise escancarada em setembro de 2008.

Agora, Kelly foca em alguns dos envolvidos na bolha especulativa de commodities, que provocou explosões de preços nos anos 2000 e até recentemente. Da perspectiva de negociantes, banqueiros, empresários e reguladores, ela passeia por cotações de petróleo, alumínio e outras poucas matérias-primas. Longe de ser exaustivo, seu trabalho deixa de lado o mercado de produtos agrícolas, cuja turbulência foi apontada como uma das causas das revoltas que eclodiram pelo mundo nos últimos anos.

Puxadas pelo crescimento da China e da Índia, as matérias-primas conhecidas como commodities experimentaram altas sem precedentes desde o final da Segunda Guerra Mundial. Surfando na onda da desregulamentação financeira, turbinaram ganhos de poucas empresas.

A jornalista afirma que essas companhias têm "uma longa e sórdida história de acordos secretos com políticos duvidosos, de ações que ignoram regras do comércio internacional e leis de direitos humanos". Mas o livro só arranha esse universo.

Lembra das origens de um dos desbravadores desse setor, Marc Rich, por muitos anos foragido da justiça dos EUA. Fundador da Glencore, ele viu nos processos de nacionalização da produção de petróleo, nos anos 1960, uma oportunidade de negócio e desenvolveu o mercado "on the spot", contornando o então controle das "sete irmãs".

Coletando alguns casos, Kelly fala dos movimentos de bancos de investimento em torno das commodities. Relata como estoques foram usados para manipular preços. Num trecho curioso, conta que, certa feita, as pilhas de alumínio guardadas pelo Goldman Sachs em Roterdã, na Holanda, passaram a preocupar o controle aéreo local: o reflexo do sol que elas provocavam prejudicava a navegação dos aviões.

Por vezes detalhista em demasia em mostrar negociações intestinas de fundos, o livro é negligente em expor o contexto mais amplo do movimento de commodities. Pouco se fala de conjuntura econômica, de China, das razões que levaram o capital financeiro a mergulhar nas matérias-primas.

Assim, o trabalho se assemelha a uma reportagem ampliada, que se satisfaz com um mosaico de exemplos. Falta aprofundar, ampliar e conectar os vários casos. O mundo das commodities precisa ser dissecado de forma mais aguda. A obra de Kelly, apesar de suas limitações, é um começo.

THE SECRET CLUB THAT RUNS THE WORLD
AUTORA Kate Kelly
EDITORA Portfolio
QUANTO A partir de US$ 14,15 (R$ 31,85; 288 págs.)
CLASSIFICAÇÃO Regular


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