Folha de S. Paulo


Entenda o calote e a crise da dívida externa da Argentina

O imbróglio judicial e a crise da dívida externa da Argentina chegaram a uma nova fase nesta quinta-feira (31). A recusa dos chamados "fundos abutres" em aceitar as propostas do país para evitar um calote fez com que a Argentina chegasse hoje ao que seria sua segunda moratória em 13 anos.

Apesar disso, a situação atípica em que o país se encontra com os credores levou o ministro da Economia, Axel Kicillof, a afirmar em entrevista coletiva que a Argentina não está em default. Mas o que isso significa? O que acontece agora? E por que essa discussão é importante?

Confira abaixo um especial de perguntas e respostas para esclarecer as principais questões sobre o tema.

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Quando teve início a dívida da crise argentina?
O país foi incapaz de pagar os títulos da sua dívida externa em 2001, quando ocorreu o seu primeiro calote.

Em 2005 e 2010, a Argentina chamou os seus credores à mesa para negociar a moratória e conseguiu reestruturar a dívida de cerca de 92% deles.

Enfrentando a possibilidade de não receber nenhum centavo de dólar pelos títulos, a maioria optou por renegociar as dívidas a um preço significativamente menor. Eles trocaram os títulos antigos da dívida por papéis novos, que valem bem menos do que os originais.

A minoria, contudo, optou por não negociar e permaneceu com os títulos antigos.

Por que são chamados de "fundos abutres", se estão cobrando uma dívida a que têm direito?

A questão é que parte desta minoria que não reestruturou a dívida optou por vender seus títulos a fundos de hedge (especializados em investimentos de risco) como forma de conseguir algum dinheiro pelos papéis.

Em posse desses títulos, os fundos lutam na Justiça para tentar recuperar o valor integral dos papéis e lucrar com o investimento.

Por isso, a Argentina apelidou as instituições de "fundos abutres" e tem recusado sistematicamente suas exigências. A primeira vez em que houve uma conversa direta entre o governo e os detentores dos títulos ocorreu nesta quarta-feira (30), em uma tentativa fracassada de evitar o calote.

Stan Honda - 30.jul.2014/AFP
Em entrevista coletiva, o ministro da Economia, Axel Kicillof, negou que a Argentina tenha dado o calote
Em entrevista coletiva, o ministro da Economia, Axel Kicillof, negou que a Argentina tenha dado o calote

Se o país tem condições financeiras de pagar a parcela do juro das dívidas por que isso não ocorreu?

A Argentina chegou a depositar o pagamento que venceu no dia 30 de junho deste ano, mas o dinheiro foi bloqueado por ordem do juiz Thomas Griesa.

A Corte americana decidiu que o país não poderia pagar a parcela referente aos credores que reestruturaram a dívida sem que pagasse também os detentores dos títulos que não foram reformados.

Caso optasse por fazer esse pagamento para evitar o calote, a Argentina teria de pagar o equivalente a US$ 1,3 bilhão aos "fundos abutres" e cairia em contradição com o que tem pregado há anos.

Se a Argentina repassou o dinheiro aos bancos para pagar a maioria dos seus credores o país não poderia convencer as instituições financeiras a realizar o depósito e adiar o calote?

O fato é que a justiça americana decidiu "congelar" o pagamento e as instituições financeiras não se atrevem a questionar uma decisão judicial. Isso poderia prejudicar sua atuação e permanência nos Estados Unidos.

Por que a Argentina, um país soberano, tem que respeitar uma decisão da Corte dos Estados Unidos?

O país emitiu seus títulos sob a lei de Nova York e, portanto, tem de respeitá-la.

Mas a Argentina não poderia emitir novos títulos sob sua lei e pagar os credores?

Sim. O problema é que a Argentina não tem uma lista de todos os detentores dos seus títulos. Isso está em posse de uma instituição financeira internacional que também não deve se opor às decisões de Griesa.

Não seria melhor evitar o calote e ter pago todos os credores desta vez?

Não necessariamente. Há uma cláusula no contrato dos títulos que permite aos credores que reestruturaram suas dívidas a voltar atrás e exigir o valor integral, caso a minoria chegue a um acordo com a Argentina.

Nesse sentido, pagar o US$ 1,3 bilhão aos "fundos abutres" para evitar a moratória poderia abrir precedente para os demais credores a exigirem o valor integral.

Com isso, a dívida externa do país ultrapassará os US$ 100 bilhões. Para se ter dimensão do que isso significa, basta lembrar que as reservas internacionais da Argentina, hoje, não passam dos US$ 30 bilhões.

Por que acompanhar a dívida da Argentina é importante para um leitor brasileiro?

Além de ser um importante parceiro comercial do Brasil, a Argentina irá afetar o mercado financeiro internacional. Isso porque a resolução do imbróglio, em teoria, pode reforçar os direitos dos credores de outros países.

Isso pode forçar os governos a serem mais cautelosos ao contrair dívidas que podem não conseguir pagar depois. Além disso, os oponentes dos "fundos abutres" argumentam que um desfecho desfavorável à Argentina pode dificultar o corte da dívida que outros países porventura venham a fazer.

Afinal, com a decisão de Griesa, os credores teriam incentivos para fazer maiores exigências na hora de negociar as dívidas nacionais.

Afinal, houve calote ou não?
Tecnicamente, sim. Como não houve o pagamento nesta quarta-feira (30), a Argentina deu seu segundo default (calote) em 13 anos.

O governo, contudo, rejeita o termo e afirma que realizou o pagamento, mas que este foi bloqueado. Além disso, o país assegura que tem arcado com suas outras obrigações financeiras.

Quais as implicações do calote para a Argentina?

É possível que se torne mais difícil para a Argentina e para suas empresas emitir novas dívidas, já que nenhum credor gosta de negociar com um país em default.

Mas, como a situação da Argentina é incomum, fica difícil prever como o mercado financeiro internacional irá reagir ao calote.


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