Folha de S. Paulo


Governo faz pesquisa própria à la Piketty

O governo está conduzindo pesquisa sobre desigualdade socioeconômica, nos moldes do estudo do economista francês Thomas Piketty, para corroborar o discurso de que o país está reduzindo a concentração de riqueza, na contracorrente global.

Em uma sala "de sigilo" no Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), de acesso restrito a poucos funcionários, dados do IR estão sendo analisados para compor um retrato da elite brasileira e sua fortuna.

A discussão sobre desigualdade no mundo, sustentada por um modelo econômico em que os ricos engordam os bolsos a um ritmo maior do que o avanço da atividade econômica, ganhou força neste ano com a publicação do livro "O Capital no Século 21", de Piketty, fenômeno global de vendas.

Na obra, o economista argumenta que a taxa de retorno do capital excede a taxa de crescimento da economia, beneficiando herdeiros de fortunas. Uma solução seria a adoção de um imposto mundial sobre a riqueza.

O Brasil ficou de fora da pesquisa de Piketty, que criticou a falta de transparência do país em relação aos dados do IR. Mesmo assim, o Planalto tem usado a repercussão do livro para defender que o Brasil é exceção no mundo.

Agora, o governo procura reunir os dados que faltaram ao francês na tentativa de provar que o discurso oficial está certo.

Um dado preliminar levantado na análise das informações do IR que tem chamado a atenção do Planalto, e que deve servir de munição na campanha de Dilma, é a queda, da ordem de 25%, da concentração do capital imobiliário, de 2003 a 2010.

Na visão do governo, o movimento foi impulsionado pela construção de moradia popular e pela valorização de pequenas unidades. O ministro Marcelo Neri (Secretaria de Assuntos Econômicos), responsável pela coordenação do estudo, afirma que houve um avanço de capital imobiliário per capita de 42% de 2003 a 2010.

Em 2009 apenas, ano de lançamento do Minha Casa, Minha Vida, esse indicador mais que dobrou. "A casa própria é um importante amortecedor das desigualdades de renda", afirma Neri. "O Brasil vive uma transformação mais forte em termos de redução da desigualdade imobiliária do que da renda do trabalho."

Outro dado que será explorado é o aumento da participação do trabalho na renda tributável e a redução da participação do lucro de empresários –alvo maior das críticas de Piketty. Hoje, o governo baseia seu discurso sobre redução da desigualdade sobretudo nos dados apurados pela Pnad (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios), realizada pelo IBGE.

No entanto, há a crítica de que a pesquisa domiciliar, que se baseia no que declaram os entrevistados, pode ser falha para captar a renda dos ricos, pela chance de omissão de dados.


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