Folha de S. Paulo


Relato instiga leitor ao 'dar rosto' a chineses que adotaram a África

"Na China, eu não era ninguém. Você acha mesmo que lá eu poderia ter um carro como este?", diz o empresário que vive na Namíbia. Em Moçambique, a chinesa dona de um mercadinho lembra que não sabia o que esperar da África ao deixar seu país, mas "precisava sobreviver".

Histórias assim dão vida a "China's Second Continent" ("O Segundo Continente da China", em tradução livre), livro do americano Howard W. French, 56, lançado nos Estados Unidos em maio.

Por meio de personagens reais, que deixaram a China em busca de trabalho e oportunidades na África, o jornalista conta em seu livro como pessoas de origens e culturas tão distintas convivem.

Ex-chefe da sucursal do jornal "The New York Times" em Xangai, French atualmente é professor de jornalismo na Universidade Columbia, em Nova York, e também foi correspondente na África.

No continente, dando nomes e histórias às estatísticas, ele percebeu que o número de imigrantes chineses vivendo hoje por lá é muito maior do que as estimativas oficiais, de 1 milhão de pessoas.
French relata seu encontro com algumas delas, como o chinês que se tornou magnata do comércio de cobre na Zâmbia e com o comerciante que fez fortuna no Senegal e lhe lembrou que nem todas as histórias têm finais felizes.

"Os comerciantes me contam histórias de aborrecimentos com a polícia, agentes alfandegários e criminosos. E todos têm na ponta da língua uma anedota sobre amigos que retornaram à China com uma mão na frente e outra atrás", relata o autor.

Ruth Fremson - 12.ago.2007/The New York Times
Trabalhador chinês cumprimenta trabalhador africano, em uma usina petrolífera, no Chade
Trabalhador chinês cumprimenta trabalhador africano, em uma usina petrolífera, no Chade

UMA LONGA MARCHA

Na segunda metade do século 20, o governo comunista enviou dezenas de milhares de operários e camponeses da China à África, em uma tentativa de reforçar laços com os países africanos que emergiam do colonialismo.

Depois da Guerra Fria, na década de 1990, a ideologia deu mais nitidamente lugar aos interesses econômicos.
Dados do relatório de cooperação econômica divulgado em 2013 pelo governo chinês mostram que o comércio com os africanos se expandiu. Em 2012, o volume total atingiu US$ 198,5 bilhões, um aumento de 19,3%, na comparação com o ano anterior.

Aos chineses, a África exporta sobretudo recursos naturais, como petróleo, ferro, cobre e madeira –que servem para alimentar as fábricas do gigante do leste.
No caminho inverso, a China vende aos africanos de manufaturados a caminhões e investe em obras de infraestrutura.

Para French, o futuro da relação da China com os países africanos passa pela forma como esse Exército de imigrantes movimenta a economia do continente. E alguns conflitos são inevitáveis.

"Na China, a proteção ambiental e as leis trabalhistas são frouxas. Os recém-chegados têm pouco cuidado com a natureza. Da mesma forma, empregadores chineses seguem práticas abusivas."

SALTOS ADIANTE

Espécie de "eldorado" chinês, o continente africano também está na mira de empreiteiras e mineradoras brasileiras, que veem nos asiáticos uma barreira para a conquista de negócios na África.

No livro, o autor comenta que os chineses não estão de olho apenas nos recursos naturais africanos. Eles são os maiores investidores em projetos de infraestrutura, superando o Banco Mundial em recursos disponibilizados.

French lembra que uma geração de chineses vê, hoje, a África como um destino que ultrapassa os interesses do Partido Comunista. Para além dos planos estatais, centenas de imigrantes vão a esses países por conta própria, em busca de uma vida melhor.

Para o autor, o número de chineses na África aumenta à medida que crescem suas raízes locais, cada vez mais profundas. "Eles servirão de intermediários entre seus países de adoção e a China."

"Esses chineses recém-chegados vão se tornar os agentes de novas redes de finanças, do comércio, de investimento e de cultura, tudo isso fluirá para fortalecer a relação entre China e África."

CHINA'S SECOND CONTINENT
AUTOR Howard W. French
EDITORA Knopf (Random House)
QUANTO US$ 17,68 (na Amazon,
cerca de R$ 39,15; 304 págs.)
CLASSIFICAÇÃO bom


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