Folha de S. Paulo


Conselheiros da Petrobras não foram consultados sobre contrato com União

A decisão de pagar R$ 15 bilhões ao governo pelo direito de explorar e produzir 15 bilhões de barris de petróleo em novas áreas no pré-sal da Bacia de Santos, sem licitação, anunciada na terça-feira (24) não foi previamente submetida a análise do conselho de administração da Petrobras.

Dois conselheiros não ligados ao governo, o engenheiro Sílvio Sinedino, que representa os trabalhadores da empresa no grupo, e o economista Mauro Cunha, representante dos investidores minoritários donos de ações ordinárias, tomaram conhecimento da negociação apenas pelo comunicado oficial (fato relevante) que a Petrobras enviou na terça-feira ao mercado.

Os conselheiros não informaram se pretendem tomar providência em relação à não apresentação do negócio ao colegiado.

Sinedino disse sentir-se "desconfortável com o não cumprimento do papel estatutário do conselho" e que "o tipo de negócio exigia consulta" ao colegiado.

O engenheiro afirmou, ainda, ser favorável ao negócio, mas que deveria ao menos ter sido discutido o pagamento dos R$ 15 bilhões não antes do início da produção de petróleo, como foi estabelecido, mas depois de 2021, quando começa a produção de petróleo nas áreas, e o óleo possa ser revertido em receita para a empresa.

Ele diz que vai discutir o assunto com os demais conselheiros independentes –além dele e de Cunha, faz parte do grupo José Monforte, representante dos acionistas preferencialistas– e que não descarta ir à CVM.

Pelo acordo com o governo, os pagamentos da Petrobras começam este ano, com desembolso inicial de R$ 2 bilhões. O resto deve ser pago até 2018.

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO

O conselho de administração é a instância máxima de decisão de uma companhia com ações negociadas em Bolsa, como a Petrobras.

O conselho de administração da Petrobras conta com 10 representantes, dos quais sete ligados ao governo, além dos três independentes.

A presidência do Conselho cabe ao ministro da Fazenda, Guido Mantega.

O Estatuto Social da Petrobras informa, em seu artigo 33, que a diretoria executiva da empresa deve submeter à aprovação do conselho de administração "a celebração de convênios ou contratos com a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, podendo fixar limites de valor para a delegação da prática desses atos pelo Presidente ou Diretores".

O CONTRATO

Na terça-feira (24), o Conselho Nacional de Polícia Energética, em reunião presidida pela presidente Dilma Rousseff, decidiu contratar a Petrobras para exploração e produção do petróleo na chamada área de cessão onerosa, no pré-sal.

Essa área de cessão onerosa foi repassada pela União em 2010 à Petrobras no processo em que a empresa emitiu R$ 120 bilhões em novas ações.

A cessão foi a forma como o governo participou do processo, para manter sua participação majoritária no capital da companhia.

Pela cessão onerosa, a Petrobras tem direito de produzir 5 bilhões de barris de petróleo em uma área antes conhecida como Franco. O excedente pertenceria à União.

É para explorar mais na área inicial (agora batizada de Búzios) e outras três áreas adjacentes, (Entorno de Iara, Florim e Nordeste de Tupi) que o governo agora contrata a Petrobras, estabelecendo, para isso, o valor de R$ 15 bilhões, entre bônus e participação do governo no óleo produzido) a serem pagos pela Petrobras até 2018.

REAÇÕES

Reportagem publicada na edição desta quinta-feira (26) da Folha informa que a decisão foi tomada para que o governo cedeu as áreas à Petrobras para afastar as críticas de que prejudica a empresa.

O mercado, porém, reagiu mal, por entender o caso como ingerência do governo na companhia e por ver riscos ao seu caixa, uma vez que a empresa está muito endividada, tem um plano de investimento pesado e ainda convive com a impossibilidade de repassar aos preços dos combustíveis a diferença em relação aos preços internacionais.

Outro especialista em governança corporativa ouvido pela Folha, que pediu para não se identificar, acredita que não necessariamente o negócio deveria ter passado pelo conselho, uma vez que pode ser entendido como extensão de um contrato já existente.

"Há argumentos para os dois lados, neste caso", disse.

Representante das empresas de petróleo no país, o presidente do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis), João Carlos de Luca, divulgou nota em que diz reconhecer a decisão do governo "de repassar para a exploração e produção da Petrobras, na forma de contratação cireta, o excedente da cessão onerosa".

A medida, segundo a instituição, tem "amparo legal".

LICITAÇÃO

De acordo com o documento, o IBP esperava que, com a decisão do CNPE, fosse divulgado um calendário de licitação de novas áreas para exploração e produção por parte de outras empresas do petróleo, tanto nas áreas em que vale o processo de concessão, quanto nas de pré-sal, em que, pela lei, deve vigorar o regime de partilha.

No regime de concessão, as empresas são donas do óleo que encontram, e repassam para o governo royalties e participações especiais sobre a produção e o lucro.

No regime de partilha, o óleo produzido é do governo, e as empresas contratadas ficam com parte do óleo referentes à compensação dos custos de produção e de parte do resultado.

De Luca diz que novas licitações permitem "a competitividade da indústria" e geram "oportunidades para todos os atores, privados ou não, de participarem do processo".


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