Folha de S. Paulo


Brasil perde corrida por produção global de carro elétrico, diz presidente de montadora

Maior fabricante de baterias recarregáveis e de ônibus elétricos do mundo, a chinesa BYD planeja construir uma fábrica de veículos no Brasil.

Apesar da recente retração nas vendas de automóveis, a empresa acredita que o menor custo de manutenção dos coletivos elétricos possa servir de estímulo para o comércio deste tipo de produto, que já roda em caráter experimental em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro.

A meta é montar 1.000 unidades até o fim do próximo ano, atingindo cerca de 3% de participação.

"Depois entraremos com a produção de carros elétricos de passeio com foco em frotistas", disse à Folha Stella K. Li, presidente global da BYD.

A executiva, que negocia com algumas prefeituras do Estado de São Paulo o local da fábrica, reclama da falta de incentivo do governo federal para os veículos elétricos, que não emitem poluentes e têm a maior carga de IPI (Imposto sobre produtos Industrializados), de 25%, ante 3% dos modelos 1.0.

A própria Anfavea (associação das montadoras) já enviou para o governo uma proposta para incluir esse novo segmento no programa de estímulo à indústria automotiva, o Inovar-Auto.

Mas a crise no abastecimento de energia elétrica vem atrapalhando as negociações.

"Se o Brasil não estabelecer logo uma política para o comércio e o desenvolvimento dos carros elétricos, vai perder a oportunidade de ser um produtor global desta tecnologia promissora", completa a presidente da BYD.

Veja os principais trechos da entrevista.

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Folha - O maior custo de um veículo elétrico são as baterias. A empresa pretende montar veículos completos no país?

Stella K. Li - Sim. Atualmente estamos negociando com alguns municípios a instalação das nossas linhas de produção. Só posso adiantar que será no Estado de São Paulo, pois é onde se concentra o maior mercado consumidor.

Qual será o montante investido e há parceiros locais?

O investimento será de aproximadamente US$ 3 bilhões (R$ 6,6 bilhões) em cinco ou seis anos. Temos muitos parceiros locais, contudo a maior parte do aporte financeiro será feito pela própria BYD.

Quantos empregos a BYD planeja criar no Brasil com esse projeto?

É difícil precisar a quantidade, pois ainda estamos em fase de análise e dependemos de aprovações para podermos começar a construir a fábrica já no próximo ano. Mas seria algo em torno de 1.000 postos de trabalho.

Quais tipos de produtos serão feitos no país?

Estamos começando com os ônibus e planejamos em um futuro próximo produzir um automóvel de passeio, também elétrico e voltado para frotistas.

Sobre os ônibus, temos uma gama extensa. O primeiro modelo que já chegou ao Brasil é um de 12 metros. Depois traremos um de 15 metros e, posteriormente, um de 18 metros. Há planos para um de oito metros, exclusivo para o transporte rodoviário.

O fato de necessitar de uma recarga longa na tomada e ter autonomia limitada não é um limitador para esse tipo de produto em um país extenso como o Brasil?

Sobre a carga da bateria, os ônibus serão tirados da garagem de manhã, com a bateria cheia, depois de quatro a cinco horas conectados a uma tomada poderão rodar cerca de 250 km.

Esses ônibus já estão sendo testados. O maior benefício deles é o baixo custo de manutenção. Segundo nossos estudos, o ônibus elétrico custa R$ 0,80 a menos por quilômetro rodado que um a diesel. E o custo de aquisição é similar.

No Brasil, alguns vândalos protestam ateando fogo em ônibus. Há sistema de segurança específico nos BYD?

Sim. Caso sensores no veículo detectem algum princípio de incêndio, um interruptor corta a corrente elétrica para evitar explosões, por exemplo.

E o carro?

O primeiro modelo que pretendemos produzir no Brasil é o crossover E-6. Ele é capaz de rodar 300 km com apenas uma recarga de, no máximo, duas horas.

Na China, esse carro é muito utilizado como táxi. Lá, há cerca de 1.000 unidades circulando com esse propósito. O E-6 também foi lançado na Colômbia e na Inglaterra.

A alta carga tributária para esse tipo de produto dificulta?

O maior desafio de colocar esse tipo de produto no mercado brasileiro é a quantidade de impostos que incidem sobre eles. Na minha opinião, se o Brasil não estabelecer logo uma política para o comércio e o desenvolvimento dos carros elétricos, vai perder a oportunidade de ser um produtor global desta tecnologia promissora.

Mas a BYD sabe que aqui no Brasil há o etanol como alternativa de combustível e que o governo sempre o defendeu..

Sim, eu sei. Mas, na minha opinião, o etanol não é a única solução, por duas razões.

A primeira é que o preço oscila muito por causa da possibilidade de transformar a cana também em açúcar. Outro fator é que, como a energia gerada pelas hidroelétricas no Brasil é limpa, o carro elétrico é mais sustentável que o a etanol.

E quando houver racionamento de energia, como agora, por falta de chuvas?

A BYD é focada em tecnologia. Se tiver um problema, temos de tentar resolvê-lo. Os carros elétricos poderíamos, por exemplo, ter o sistema que recarrega parte das baterias utilizando a energia gerada na frenagem.

Outra possibilidade seriam os híbridos plug-in, que funcionariam com etanol ou gasolina, caso a carga da bateria se esgotasse.

Como você vê o mercado brasileiro nos próximos dez anos?

Eu acho que será bom, pois mais e mais pessoas poderão comprar carros. Ainda há chance de dobrar o volume de vendas. Provavelmente o carro elétrico será o segundo carro da família, assim como está acontecendo na China.

Você acha que o excesso de trânsito é um entrave para a venda de automóveis?

Claro, por isso é importante que o governo dê incentivos a carros menos poluentes. Há estudos que mostram que a cada 5 km/h diminuídos na velocidade média do trânsito, a poluição aumenta em cerca de 20%.

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RAIO-X

STELLA K. LI

IDADE
44 anos

CARGO
Presidente da divisão automotiva da BYD

FORMAÇÃO
Estatísticas, pela Fudan University (China)


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