Folha de S. Paulo


'Estímulo do Fed é tão eficaz como uma dança de chuva indígena', diz ganhador do Nobel

Ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2004, o economista norueguês Finn Kydland, professor da Universidade Califórnia (Santa Barbara), é um crítico do momento da economia americana e do trabalho do Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA).

Para ele, a maior economia mundial está em recessão –o NBER, órgão não governamental que analisa esses ciclos, diz que o período de declínio acabou em 2009.

Afirma ainda que o estímulo de US$ 85 bilhões adotado pelo banco central dos EUA em 2012 e que começou a ser reduzido recentemente tem tanto efeito sobre o mercado de trabalho como uma dança de chuva indígena tem sobre a produção de chuva.

Leia a entrevista concedida antes da divulgação da revisão do PIB americano, na qual também fala sobre a Argentina, país que foi alvo de seus estudos.

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Folha - Os EUA estão reduzindo agora a sua terceira rodada de estímulo. A economia americana está preparada para ficar sem essa ajuda?

Finn Kydland - Eu não acredito que o estímulo tenha algum efeito na produção de emprego. Na verdade, ele pode até estar segurando a criação de vagas.
Depois do tombo de 2008 e 2009, a economia vem crescendo em um ritmo muito abaixo da média dos últimos 60 anos. Isso é espantoso. Qual é a prova de que o estímulo funciona?
Meu colega que ganhou o Nobel no mesmo ano [Edward Prescott] afirmou ao "New York Times" que o programa do Fed faz tanto para o emprego como uma dança de chuva indígena produz efeitos para a geração de chuva.

E quais são os riscos dessa dança da chuva do Fed?

Ele é perigoso porque em algum momento o Fed tem de parar de comprar títulos e há um estoque enorme que está parado em bancos em forma de reservas. Eles precisam ser cuidadosos na hora de se livrar desses investimentos.

O único motivo pelo qual os bancos não estão jogando esse dinheiro na economia, o que criaria uma enorme pressão inflacionária, é porque o Fed paga uma taxa um pouco maior que a de mercado.

O problema na economia americana é que existe muita incerteza sobre a política econômica futura.

Uma empresa precisa projetar o retorno de um investimento em dez anos ou mais, imaginando quais impostos e quais regulações existirão no futuro. No momento, existe uma grande incerteza, fora do normal, sobre o futuro.

Não há motivo para otimismo na economia americana?

Eu acho que há uma série de coisas que podem dar errado. O governo poderia tomar medidas para reduzir essas incertezas, mas não vejo eles fazendo isso de um modo confiável.

Por que não?

Para haver confiança, é preciso mostrar coerência nas suas decisões. Por exemplo, na crise de 2008 eles não mostraram muita coerência. Eles deixaram um banco quebrar, depois não deixaram outro. Fica a dúvida: o que vão fazer depois?

Mas era a administração de George W. Bush.

Mas havia também um Congresso envolvido. O presidente não é tão poderoso.

Marit Hommedal - 11.out.2004/Reuters
O norueguês Finn Kydland, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2004
O norueguês Finn Kydland, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2004

Voltando ao tema do estímulo monetário. Se não há provas de que ele produz efeitos sobre o mercado de trabalho, o que explica a queda da taxa de desemprego?

Na verdade, ela deveria estar caindo em um ritmo mais acelerado. Qual é a prova de que a queda se deve ao estímulo, já que a recuperação da economia acontece em um ritmo muito mais lento do que o normal?

Quando faço minhas pesquisas sobre ciclos econômicos, eu presto atenção nos desvios da tendência. Eu acho que é completamente arbitrário dar ênfase a se a economia cresceu ou encolheu em certo período.

Por exemplo, em países com alto crescimento, como o Japão antes dos anos 90, por esse critério, só houve uma recessão, nos anos 70, que durou um trimestre, quando o PIB caiu. Por esse medidor, eles mal tiveram uma recessão, mas eles tiveram ciclos. Ou seja, em uma recessão, a economia cresceu muito menos que a tendência, e, em um boom, muito mais rápido.

Se você pensar desse modo, os Estados Unidos ainda estão em recessão, porque a economia está crescendo abaixo da tendência.

E o que deveria ser feito?

Primeiro, o longo prazo é o que interessa e, por isso, é preciso boas políticas. As empresas estão tão preocupadas porque elas veem o que está acontecendo agora, mas não sabem o que vai passar no futuro.

Por que investir em uma fábrica, o que pode levar dois anos, se correm o risco de o governo fazer algo estúpido?

É por isso que estou tão preocupado. É difícil enxergar como eles [governo] vão conseguir introduzir essa confiança, de que vão agir de modo razoável por um período de ao menos cinco anos.

O senhor fez vários estudos sobre a Argentina, ainda acompanha o país?

Eles são um grande exemplo de política estúpida.

Qual é o principal sintoma de estupidez?

São políticas míopes. É importante dar para as empresas confiança sobre o que você vai fazer no futuro. Mas eles [governo Cristina Kirchner] não fazem isso, prestam atenção no que está acontecendo no curto prazo. Qualquer economista respeitável sabe que não é uma boa ideia, mas eles continuam fazendo isso.

O jornalista viajou a convite do Fórum Econômico de Astana


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