Folha de S. Paulo


Profissionais fazem tatuagens para homenagear as empresas em que trabalham

Jill Abramson, 60, foi demitida do cargo de editora-executiva do jornal "The New York Times" há duas semanas, mas vai se lembrar do antigo trabalho sempre que olhar as costas pelo espelho: ali, ela tem um "T" tatuado em homenagem à empresa.

Na semana passada, a jornalista disse em um evento que não vai remover o desenho de jeito nenhum.

Irene Azevedo, professora de liderança da escola de negócios BBS, diz que compreende quem tatua o nome da companhia em que trabalha, mesmo em um tempo em que as pessoas mudam de emprego rapidamente.

"Não interessa o tempo, mas, sim, o que a organização trouxe para você. Há empresas que deixam marcas e podem ser lembradas dessa forma", diz a professora.

MARCA

A farmacêutica bioquímica Elaine Briguenti Ferraz, 38, afirma que nunca apagaria a tatuagem que fez há três meses no púbis, "abaixo do corte da cesariana".

Trata-se da representação gráfica estilizada do ImmunoCAP, um produto médico que identifica se alguém é alérgico a algo -de alimentos a pelos de animais.

Ferraz é gerente de assuntos regulatórios do sistema no Brasil, sendo responsável por conseguir aprovação das versões da linha junto a órgãos como a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e o Ministério da Saúde.

Edu Andrade/Folhapress
Maicon Prass, representante comercial da Red Nose, mostrando logotipo da marca tatuado no braço
Maicon Prass, representante comercial da Red Nose, mostrando logotipo da marca tatuado no braço

"Ninguém entendeu nada. O pessoal perguntou: 'O que é isso? É um farol de ponta cabeça? É um dedal?' Eu falei: 'É o produto do qual eu tomo conta aqui no Brasil e tenho orgulho dele", conta a farmacêutica, que trabalha com esse teste há 14 anos.

Ferraz conta que até conheceu o marido, que era chefe de um laboratório, em um treinamento.

"Sou uma profissional extremamente comprometida. Trato os problemas da empresa como se fossem meus. Pode até ser que seja patológico", brinca.

A psicanalista Ana Costa, autora do livro "Tatuagem e Marcas Corporais" (editora Casa do Psicólogo), diz que, em princípio, não há nada de patológico em marcar no corpo algo relacionado ao trabalho. Só é possível detectar um problema se, posteriormente, a pessoa rejeitar o desenho e entrar em crise.

Na hipótese de ser demitida, Ferraz afirma que não apagaria a tatuagem porque as vidas dela e do produto estarão sempre relacionadas. Ficaria uma lembrança.

Costa diz que os marinheiros costumavam desenhar na pele algo que os fizessem lembrar algo ou alguém que deixaram em terra.

"Nessa vida perdida do mar, eles usavam a tatuagem para lembrar, para fazer uma marca", afirma a psicanalista, que é professora da UERJ.

NAMORADO, NÃO

O tatuador Paulo Tattoo, 46, que está na profissão há 30 anos, diz que é raro ver funcionários pedindo para fazer homenagens ao patrão no próprio corpo.

O mais comum é que consumidores fãs de marcas como Ferrari e Harley-Davidson as registrem na pele. "Já fiz até a tatuagem de uma lata de Nescau", lembra.

Ele diz que não se opõe a desenhar logotipos e que só se intromete no pedido do cliente quando a tatuagem é o nome do marido ou do namorado.

"Eu aconselho a fazer um desenho que representa o parceiro", diz.

Caso deixe de vender os tênis da marca esportiva Red Nose, o representante comercial Maicon Prass, 34, diz que vai encarar o pit bull que tem tatuado no braço apenas como a ilustração de um cachorro.

Mesmo que o animal seja uma representação perfeita do logotipo da empresa.

"Boa parte do que eu tenho e do que eu sou hoje tem relação com a marca. Ela já me deu muita alegria", afirma Prass, que trabalha com os produtos da grife há 12 anos e fez a tatuagem há nove.

Ele conta que teve a ideia de fazer o desenho quando Marcelo Leitão, fundador da marca, deu a ele um chaveiro com a marca da grife.

PAGO SEU DESENHO

Nos Estados Unidos, o empresário Anthony Lolli, 36, diz que vai ao estúdio de tatuagem e paga entre US$ 50 e US$ 150 (de R$ 110 a R$ 330) por cada ilustração feita na pele de seus funcionários: o logotipo da Rapid Realty, uma rede de imobiliárias com foco em aluguel que tem sede em Nova York.

Desde 2012, 77 dos 1.100 dos profissionais da companhia participaram do programa e, segundo Lolli, há uma fila de espera.

O empresário, que não tem qualquer tatuagem, nem a da própria companhia, diz que as pessoas aceitam carregar praticamente para sempre a marca da Rapid Realty porque ganham um aumento na comissão, da ordem de 15%, e também porque "querem fazer parte de algo".

"É um modo de lembrar porque eles entraram nessa", afirma Lolli –o setor sofre com a alta taxa de rotatividade de profissionais.

"É como em um relacionamento. Sempre vai haver momentos difíceis, então você tem que lembrar porque você começou aquilo."

Mas, para Azevedo, da BBS, essa medida sozinha não faz com que os profissionais fiquem mais engajados.

"A gente engaja as pessoas pelo coração e pelo propósito, quando os valores da empresa são os mesmos do funcionário."


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