Folha de S. Paulo


Fiscalização encontra bolivianos em condições insalubres de trabalho em oficina que costurava para grife

Seis imigrantes bolivianos foram encontrados pela fiscalização do Ministério do Trabalho em condições que ofereciam riscos a saúde e segurança em uma oficina de costura, da zona leste de São Paulo, que produzia roupas para a grife M.Officer.

É o segundo caso envolvendo a marca nos últimos seis meses, quando foi atuada pelos fiscais. O caso está na Justiça.

A nova blitz ocorreu no dia 6 deste mês e, de acordo com os auditores fiscais do ministério que integraram a ação e procuradores do Trabalho, essas condições de trabalho podem ser consideradas degradantes e a jornada, de até 14 horas diárias (acima do que prevê a lei), exaustiva.

A M5, dona na marca M.Officer, informa que não é responsável pela oficina e que tem um contrato de prestação de serviço com a Empório Uffizi, confecção do Bom Retiro (região central da capital paulista), que, por sua vez, contratou a oficina.

"A sala de costura era no subterrâneo do local, com fiações elétricas expostas, sem janela, ambiente insalubre de moradia e trabalho no mesmo local. As jornadas eram das 7h às 22h, chegando até as 23h ou meia noite, acima do que prevê a lei [8 horas por dia, com no máximo 2 horas extraordinárias]", afirma Luís Alexandre Faria, um dos auditores que coordenou a ação fiscal.

Segundo documentos obtidos pelo MTE, toda a produção da oficina era destinada à marca por meio da Empório Uffizi, fornecedora da M.Officer.

OUTRO LADO

A M5, dona da marca, informou que sua relação jurídica com a Uffizi "não envolve um contrato de prestação de serviços, mas um contrato mercantil, com cláusula que expressamente proíbe a subcontratação, a qual foi violada por exclusiva e reconhecida iniciativa do contratado".

Procurada pela Folha, a confecção Uffizi informa que os costureiros têm liberdade de ir e vir, não estão em ambiente degradante e que essa é "apenas uma das oficinas usadas" para serviços de costura da empresa. "Não há trabalho escravo", informou a empresa.

Em nota assinada pela diretora Rosicler Fernandes de F.Gomes, a M5 informa ainda que seus fornecedores, "como é o presente caso da empresa Empório Uffizi, que atua no mercado de confecção há aproximadamente dez anos" e atende outras marcas, "são selecionados após criteriosa seleção" e "somente são aceitos se pré-certificados pela ABVTex (Associação Brasileira do Varejo Têxtil) ou SGS (empresa que atua em inspeção, verificação, testes e certificação).

A Folha não localizou os representantes da associação e da empresa na noite desta sexta-feira (dia 16) para comentar a afirmação.

AÇÃO DO MPT

O Ministério Público do Trabalho deve ingressar com uma ação civil pública contra a M.Officer por condições consideradas degradantes (ou análogas à de escravo, como prevê o artigo 149 do Código Penal) no sistema de produção da empresa.

"Ela será responsabilizada para que os direitos desses trabalhadores sejam garantidos. Há responsabilidade solidária da empresa nas condições de trabalho da cadeia produtiva e vamos discutir na ação o pedido de indenização moral coletivo. O fato de ser reincidente [outro caso ocorreu em novembro de 2013] também deve agravar a autuação e multas que a grife deve receber", diz o procurador Tiago Cavalcanti.

Ele afirma que o MPT tentou firmar um acordo com a grife para evitar o processo - um termo de ajustamento de conduta - para evitar problemas como os encontrados nas oficinas, mas a empresa não aceitou. "As empresas que estão na ponta da cadeia produtiva sempre alegam que não têm responsabilidade. Mas esse argumento é frágil porque há subordinação entre a empresa, a confecção e as oficinas. Isso fica claro porque é a dona da marca que dá as orientações técnicas, de como deve ser feita a peça, o valor que pode ser pago", diz o procurador.

Em novembro do ano passado, a fiscalização autuou a empresa após encontrar um casal de bolivianos em uma oficina do Bom Retiro considerada sem condições de higiene e segurança.

A Justiça do Trabalho chegou a determinar, em caráter liminar, o bloqueio de bens na primeira instância a pedido do Ministério Público do Trabalho para garantir pagamento de indenizações, mas ela recorreu e conseguiu impedir o bloqueio.

O caso continua na Justiça. A Defensoria Pública da União assumiu a defesa do casal de trabalhadores e ingressou com pedido para garantir o pagamento de indenizações aos bolivianos.

No caso dos seis trabalhadores que estavam na oficina da zona leste, a defensoria também pede, em caráter liminar, à Justiça o bloqueio de R$ 158 mil da grife para pagar verbas rescisórias e indenizações aos costureiros bolivianos.

CPI DO TRABALHO ESCRAVO

Na noite desta sexta-feira, o deputado estadual Carlos Bezerra Jr., que preside a CPI do Trabalho Escravo, informou que convocou os donos da M. Officer para prestar esclarecimentos em audiência na Assembleia Legislativa de São Paulo.

"A M.Officer já foi processada no ano passado, está dizendo na Justiça que não é culpada. Mas, durante o processo, é flagrada novamente com trabalho escravo. Não é um episódio isolado, é uma forma de produção tão arraigada que não cessa nem depois do flagrante", disse o deputado.


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