Folha de S. Paulo


Para 'papa' do livre-comércio, protecionismo fez o Brasil perder globalização

O Brasil está "atrás da curva" e vai ter que buscar um acordo de livre-comércio com os Estados Unidos se quiser evitar o isolamento que será provocado pelos mega-acordos regionais que os norte-americanos negociam com Ásia e Europa.

O diagnóstico é de Fred Bergsten, o "papa" do livre-comércio. Ele foi conselheiro de vários presidentes americanos e esteve nos bastidores dos principais acordos assinados pelos EUA durante os 31 anos em que dirigiu o prestigioso Peterson Institute of International Economics, em Washington.

"O Brasil perdeu o barco com a falência da Alca. Agora, em vez de sair na frente no jogo, está atrás da curva e tem que tirar a diferença", disse Bergsten à Folha. A seguir, trechos da entrevista.

Paul Morse/Bloomberg News
Fred Bergsten, diretor do prestigioso Peterson Institute of International Economics, em Washington, por 31 anos
Fred Bergsten, diretor do prestigioso Peterson Institute of International Economics por 31 anos

*

Por que o senhor defende a globalização?
Fred Bergsten - Porque é uma força muito positiva para o crescimento de todos os países do mundo. Nenhum país se desenvolveu sem se integrar à economia global. Países ricos, países pobres, todos se beneficiaram —de Estados Unidos e Alemanha a China e Índia.

Qual é a maior ameaça para a globalização hoje?
É a política doméstica dos Estados Unidos. Existe uma oposição dentro dos EUA, que argumenta que a globalização eleva a desigualdade e provoca perda de empregos. Os EUA estão negociando acordos de livre-comércio com Ásia e Europa e há muita resistência no Congresso.

Qual é a posição do presidente Obama?
Ele não concorda com as forças contra a globalização, mas não luta com firmeza. Obama é bastante sensível aos sindicatos, que temem perder postos de trabalho. Ele está do lado certo retoricamente, mas ainda não mostrou comprometimento.

Como surgiu essa reação à globalização nos EUA?
Nunca tivemos um consenso total sobre a globalização. Nas últimas décadas, os salários reais nos EUA estão estagnados, a distribuição de renda ficou pior e o desemprego aumentou.

Também mudou a distribuição de poder ao redor do mundo. Quando os EUA eram o país dominante, ficava mais fácil apoiar a globalização. Agora China, Brasil, Índia e outros também ganham.

Alguns países, como o Brasil, vão ficar de fora dos acordos dos EUA com Ásia e Europa. Serão prejudicados?
Esses países terão que se juntar a essas negociações ou estimular novas negociações regionais. O Brasil poderia iniciar sua própria negociação bilateral ou regional, via Mercosul, com os EUA.

É simples: o Brasil vai ter que se dar conta de que o mundo caminha para os grandes acordos regionais. O país perdeu o barco com a falência da Alca (Área de Livre-Comércio das Américas). Agora, em vez de sair na frente no jogo, está atrás da curva e tem que tirar a diferença.

Com essa resistência no Congresso, os EUA estariam abertos a um acordo de livre-comércio com o Brasil?
Depende do acordo. O Brasil teria de abrir mercados importantes e desistir de parte de seu protecionismo de substituição de importações em troca de uma maior abertura do mercado agrícola americano. Mas, em princípio, os EUA não podem rejeitar uma iniciativa do Brasil quando estão negociando com seus maiores parceiros.

A iniciativa de buscar um acordo bilateral deve ser do Brasil ou dos EUA?
Deve ser uma decisão conjunta e feita de forma silenciosa. Mas, dada a situação atual, o Brasil tem que fazer o primeiro movimento.

O protecionismo aumentou no Brasil no governo da presidente Dilma?
O Brasil, equivocadamente, retomou algumas políticas de substituição de importações do passado, com políticas industriais e protecionismo. Em algum patamar, isso isolou o Brasil do processo de globalização, e o país ficou para trás de seus competidores globais.

Uma parte do famoso "custo Brasil" é resultado das políticas brasileiras de não participar da liberalização que ocorreu no resto do mundo. Foi um erro, e o Brasil está pagando o preço.

O país parecia satisfeito com o Mercosul e a liderança na América do Sul. E agora reconhece que não foi suficiente para manter sua competitividade.

Qual é a sua expectativa em relação à Rodada Doha, da OMC?
Não acredito que o acordo de Bali vai energizar a rodada. O acordo de facilitação de comércio pode trazer benefícios significativos para a economia global, mas é um acordo isolado.

Os países que bloquearam a Rodada Doha cinco anos atrás mantêm a mesma posição hoje. O foco agora está nos grandes acordos regionais, que terão um impacto maior do que a Rodada Doha jamais teria.

O senhor escreveu sobre manipulação cambial. Está preocupado com o assunto?
Não é mais tão alarmante quanto antes, quando a China tinha grandes superavit, mas ainda preocupa. Se não houver um remédio, haverá uma reação protecionista.

Sei que alguns economistas brasileiros querem usar tarifas de compensação. Não acredito nisso. Se os Estados Unidos colocarem uma taxa contra os produtos chineses, logo haverá taxas contra produtos americanos. Minha proposta é combater fogo com fogo.

Os Estados Unidos devem comprar yuans nos mesmos valores e interferir no mercado de câmbio.

-

RAIO-X

FRED BERGSTEN

Idade
73 anos

Cargo
Diretor emérito do Peterson Institute of International Economics e membro do comitê de aconselhamento do presidente dos EUA para política comercial

Formação
Ph.D. pela Fletcher School of Law and Diplomacy

Obra
Coautor e editor de 41 livros, o mais recente sobre as relações entre EUA e China


Endereço da página: