No Carnegie Hall, a astróloga Evangeline Adams previa seguidas altas na Bolsa de Nova York. Já em Wall Street, o engraxate Pat Bologna ganhava notoriedade por seus palpites baseados em conversas com clientes famosos.
Os dois ilustram a euforia que tomava conta do mercado de ações antes do crash de 29, quando se pensava que a Bolsa levaria todos os norte-americanos à riqueza. E estão no elenco do livro "1929", de Ivan Sant'Anna.
Seguindo a tendência de livros históricos para leigos e com um ano como título (popularizada pelo jornalista Laurentino Gomes, da trilogia iniciada com "1808"), a obra busca tornar mais palatável para os não iniciados momentos históricos já bem estudados por especialistas.
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Para isso, o autor conta toda a história por meio de personagens: começa com a chegada do compositor Irving Berlin (1888-1989) aos EUA no fim do século 19 e passa por eventos ocorridos com especuladores, banqueiros, artistas e pessoas aparentemente distantes do mercado. As histórias são costuradas com agilidade, misturando casos conhecidos –como a saída da Bolsa do ator Charles Chaplin (1889-1977) antes do desastre– com outros pouco lembrados, como o do carteiro Homer Dowdy, que deixava o dinheiro no banco para pagar tratamento da mulher doente.
ARMADILHAS
Sem ser complexo demais nas explicações, a obra apresenta armadilhas que levaram ao crash. Entre elas, as "chamadas de margens", possibilidade de comprar ações financiadas pagando uma fração do valor total e dando o próprio papel como garantia.
Em caso de queda do preço da ação, o investidor deveria pagar ao credor valor equivalente à perda ou era obrigado a vender o papel para saldar a dívida.
O que parecia sensacional quando as ações só subiam se mostrou explosivo quando as coisas começaram a mudar. Muitos foram obrigados a vender ao mesmo tempo e as ações viraram pó.
Isso levou o mundo à Grande Depressão, que, por sua vez, deu espaço ao nazismo e à Segunda Guerra Mundial.
TOUROS E URSOS
O livro apresenta vários representantes dos chamados "touros" e dos "ursos". No jargão do mercado, enquanto os primeiros buscam lucrar nas altas da Bolsa, os segundos criam suas estratégias torcendo pelas quedas.
Os que no fim das contas se deram bem, é fácil de intuir, foram os do segundo grupo, formado por figuras como Jesse Livermore (que criou um escritório particular com 60 profissionais para analisar tendências) e Joe Kennedy (pai do futuro presidente John).
Os "touros", majoritários à época, compartilhavam com os "ursos" certas estratégias não muito louváveis. Eram comuns as "puxadas" para forçar altas nos preços para que, assim que estivessem altos, os papéis fossem vendidos a quem não soubesse do esquema. Isso feito com compras combinadas de ações e de notícias favoráveis a empresas em jornais.
LIGA DOS CAVALHEIROS
Entre os personagens que seriam cômicos, não fossem reais, estão os da "Liga dos "Cavalheiros", formada por funcionários de todos os escalões do Union Industrial Bank que usavam dinheiro dos correntistas para especular no mercado e quase sempre perdiam.
Conforme as trapalhadas se seguiam e o rombo aumentava, mais os cavalheiros tremiam a cada visita do desavisado presidente do banco.
Mas algumas histórias ficaram por ser contadas: apesar da expectativa que é criada sobre o que aconteceria no dia decisivo, a "Terça-Feira Negra", descobrimos que quem mais lucrou no pior dia do crash foi Albert H. Wiggin, do Chase National Bank, em sua única aparição na obra.
Com carreira construída no mercado financeiro internacional, Sant'Anna se dedica aos livros desde 1995. Já escreveu sobre o próprio mercado financeiro e sobre desastres aéreos –como no livro "Caixa-Preta" (Objetiva).
Sua obra mais recente prende o leitor pela forma e ajuda a entender além dos números o que aconteceu em um dos eventos decisivos do século passado.
1929
AUTOR Ivan Sant'Anna
EDITORA Objetiva
QUANTO R$ 44,90 (356 págs.)
CLASSIFICAÇÃO Bom