Folha de S. Paulo


Análise: Quatro perguntas que os mercados não devem ignorar

O feriado do Pessach, a Páscoa judaica, está chegando. Na noite da próxima segunda-feira (14), os judeus de todo o mundo se reunirão para uma refeição altamente estilizada conhecida como Seder, e para recontar a história do êxodo judaico do Egito.

A cerimônia começa com a pessoa mais jovem entre as presentes fazendo quatro perguntas, que explicam por que nas noites do Pessach as coisas são feitas de modo diferente de todas as demais noites do ano.

É uma tradição muito antiga. A coluna Long View tem uma tradição mais recente, de fazer quatro perguntas sobre os mercados. O que não faz sentido? Eis, portanto, as quatro perguntas para o Pessach deste ano.

QUATRO PERGUNTAS

Por que o rendimento dos títulos do Tesouro norte-americano está caindo, quando em todas as outras ocasiões em que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) estava se preparando para subir os juros ele aumentou? A questão é ainda mais intrigante do que isso. Os títulos do Tesouro norte-americano vêm vivendo uma alta, o que significa que seus preços vêm subindo firmemente e seus rendimentos vêm caindo, há mais de três décadas. O rendimento do título de dez anos caiu abaixo dos 2% na metade de 2012. Grandes instituições de investimento historicamente detêm grandes posições em títulos do Tesouro, e poucas ações –em um momento no qual os títulos do Tesouro parecem caros e as ações baratas, em comparação. Portanto, tudo estava preparado para a "grande rotação" que tiraria dinheiro do mercado de títulos e o encaminharia ao de ações.

Larry Downing/Reuters
Sede do Fed, o Banco Central do Estados Unidos, em Washington
Sede do Fed, o Banco Central do Estados Unidos, em Washington

No ano passado os rendimentos dos títulos subiram quando o Fed começou a falar de uma redução nas suas compras mensais de títulos, o que vinha sustentando os rendimentos. Mas o rendimento dos títulos de dez anos excedeu os 3% por período muito curto. O Fed agora já está em meio a uma firme redução de suas compras de títulos, que zerará essas aquisições ainda este ano. Mas os rendimentos mesmo assim caíram, para 2,64%.

Por quê? As instituições ainda precisam adquirir títulos, para bancar suas garantias aos futuros aposentados. Assim, elas os estão adquirindo agora quando estão disponíveis por custo menor. E os títulos do Tesouro norte-americano ainda servem como "porto seguro". Alguns desses fluxos refletem a repatriação ou a "retirada" de dinheiro do mercado, dado o crescente nervosismo dos investidores quanto aos mercados emergentes.

Por que a Grécia voltou a poder captar recursos no mercado, uma vez mais, quando faz menos de dois anos que o país aplicou um calote parcial e quase deixou a zona do euro?
As palavras dos dirigentes de bancos centrais têm poder. Mario Draghi, do Banco Central Europeu (BCE), prometeu que faria "o que quer que fosse necessário" para salvar o euro, e essas palavras bastaram para instaurar nova confiança quanto aos papéis de dívida dos países periféricos.

Xinhua/Luo Huanhuan
 Mario Draghi, presidente do Banco Central europeu
Mario Draghi, presidente do Banco Central europeu

No que tange às preocupações políticas, a ira popular contra as medidas de austeridade impostas à Grécia e outros países é evidente, e compreensível. Mas os investidores aprenderam a lição de que o tumulto político em muitos países da zona do euro não bastou para derrubar os governos pró-euro, até agora (apesar das expectativas em contrário). Agora, eles estão extrapolando para o futuro essa aquiescência política. E o ágio que requerem para isso parece muito baixo.

Por que os mercados emergentes estão parecendo mais baratos, diante dos mercados desenvolvidos, do que em qualquer momento em uma década, mesmo que suas economias continuem a crescer mais rápido?

Os mercados e o crescimento econômico não caminham juntos. E há também a preocupação quanto à China, que está tentando administrar uma transição da mesma maneira que administra sua economia. O país também está tentando desinflar a bolha em seu mercado de crédito. É difícil desinflar uma bolha sem estourá-la, e todo mundo sabe disso.
Além disso, os investidores estão nervosos com a possibilidade de que a alta nos juros venham a pressionar os países que tem deficit elevado em conta corrente, e que portando dependem especialmente de influxos de "hot money".

Por fim, os mercados emergentes podem estar parecendo uma pechincha, agora, mas isso se deve ao potencial mais elevado de crescimento futuro, e não a qualquer redução de seu deságio com relação aos mercados desenvolvidos. Os investidores, preocupados com interferências estatais, agora sentem que existe motivo para esse deságio. Houve inquietações civis em mercados importantes como Tailândia, Turquia e Brasil. E há também, é claro, a situação da Ucrânia.

Mesmo depois de uma má semana, por que o mercado de ações dos Estados Unidos continua próximo de recordes históricos ainda que tanta gente continue a encarar a economia de forma negativa, e que o risco geopolítico causado pela situação da Ucrânia esteja em alta?

As moedas da Rússia e da Ucrânia passaram por desvalorizações recentres, e o mercado de ações da Rússia já é de longe o mais barato entre os grandes mercados mundiais de ações.

Zurab Kurtsikidze/Efe
Soldados ucranianos observam navio de guerra russo na entrada da base de Sebastopol
Soldados ucranianos observam navio de guerra russo na entrada da base de Sebastopol

Os investidores devem considerar que a crise na Ucrânia já teve seus efeitos incorporados aos preços (o que é razoável) e que ao existe necessidade de incorporar o risco de uma nova escalada a eles (o que parece bem mais tênue).

Para o mercado de ações, são as receitas das companhias que importam. E elas continuam fortes, com expectativa de alta de 8,2% nas receitas do primeiro trimestre. Não existe um catalisador evidente que as force a cair.

O Fed continua a comprar títulos e sua provável trajetória futura continua a ser a de uma alta lenta e previsível dos juros –exatamente as condições sob as quais foram criadas as bolhas da habitação e do crédito norte-americanas na metade da década passada.

A fé nos bancos centrais continua a ser forte, e existe escassez de outras coisas em que investir. Isso não é uma base inspiradora para a aquisição de ações que agora parecem muito caras. Se os números de receita das companhias começarem a desapontar, cuidado.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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