Folha de S. Paulo


Técnicos do IBGE se 'rebelam' após saída de diretora e paralisação de pesquisa

Diante da saída da diretora de Pesquisas do IBGE, Marcia Quinstlr, que pediu exoneração do cargo, 18 coordenadores e gerentes estratégicos ligados à diretoria ameaçam deixar cargos se a decisão de interromper a divulgação da Pnad Contínua não for repensada.

Em carta ao conselho diretor do IBGE, o grupo disse ser "inaceitável" a reprogramação do calendário de divulgação dos resultados da pesquisa, o que resultou no pedido de exoneração da diretora, contrária à mudança.

"Tal decisão torna-se ainda mais grave por ter sido tomada sem consulta à equipe técnica, e apesar de a diretora de pesquisas ter se manifestado contrariamente à suspensão da divulgação, em 2014, dos resultados da Pnad Contínua", diz a carta.

No texto, o grupo pede para o conselho diretor "rediscutir e rever a posição tomada, ouvindo a equipe técnica responsável". Se isso não ocorrer, dizem, é "insustentável" que permaneçam em seus cargos.

EXONERAÇÕES

Além de Quinstlr, a coordenadora da Escola Nacional de Estatísticas e integrante do conselho diretor do IBGE, Denise Britz do Nascimento Silva, também discordou da decisão do colegiado e pediu exoneração.

Quinstlr não concordou com a suspensão da apresentação dos dados da nova pesquisa que mede, em nível nacional, a situação dos principais indicadores do mercado de trabalho.

Ela era a mais importante diretora do IBGE, responsável pelo planejamento e execução de todas pesquisas –o IBGE faz cerca de 180 divulgação ao ano.

A presidente do instituto, Wasmália Bivar, disse, mais cedo à Folha, que Quinstlr e Silva acharam que a suspensão das divulgações "era um remédio muito duro".

A presidente reconheceu que foi um "erro" divulgar primeiro "para o público externo", a imprensa, no caso, antes de discutir a questão de modo mais amplo com os técnicos do IBGE. Mas defendeu a iniciativa porque a questão era urgente e relevante.

Disse ainda que a decisão de interromper as divulgações da Pnad Contínua está mantida –a apresentação dos dados só será retomada em janeiro de 2015.

Os coordenadores e gerentes estão reunidos na tarde desta sexta-feira (11) com a presidente do IBGE para discutir o assunto.

LEI

A decisão do conselho veio após um requerimento de informações apresentado por senadores sobre dados de renda domiciliar per capita.

É que uma lei editada no ano passado alterou um dos critérios de repartição do Fundo de Participação dos Estados, que antes considerava o PIB per capita. A legislação alterou o indicador para a renda domiciliar per capita.

A Lei Complementar 143, de 17 de julho de 2013, alterou os critérios da participação de Estados no fundo –recursos a serem recebidos em 2016, correspondentes ao exercício de 2015.

Por isso, há a necessidade de um indicador de renda domiciliar já para 2015.

O IBGE planejava divulgar a renda domiciliar no final de 2015, mas uma solicitação de senadores deve fazer com que o instituto tenha os dados em mãos já em janeiro de 2015. Com isso, terá de recalcular a amostra da pesquisa, o que pode levar a ter de fazer novas novas entrevistas com a população de alguns Estados.

O que ocorreu, diz, foi uma "interpretação equivocada da lei" por parte do IBGE. O entendimento era de que a renda domiciliar per capita deveria ser calculada só ao final de 2015 e não no começo do próximo ano.

Com isso, diz, os técnicos terão só oito meses para desenvolver a nova metodologia e equalizar a margem de erro dos Estados, que não fazia parte do planejamento da pesquisa.

MARGEM DE ERRO

No começo deste mês, os senadores Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Armando Monteiro (PTB-PE), indagaram o IBGE sobre a margem de erro dos dados de renda domiciliar per capita, que nem sequer foram divulgados.

O receio é que a diferença entre as margens pudesse gerar contestações judiciais por parte dos Estados –que poderiam pleitear, por exemplo, que fosse considerada a renda inferior do intervalo a fim receber mais recursos do FPE.

São Paulo tinha, na antiga Pnad, uma margem de erro de 6% na renda domiciliar per capita, variando, em 2012, de R$ 1.282 a R$ 1.448, com a média de R$ 1.365.

Já no Acre, a média era de R$ 788, com intervalo oscilando de R$ 655 a R$ 920 –ou seja, uma margem de erro de 16,7%.

A nova pesquisa foi planejada para ter margens de erro semelhantes, apesar de ter uma amostra maior.

SERVIDORES

A restrição de número de servidores, afirma Wasmália Bivar, impede que as duas tarefas de análise e crítica de dados para equalizar as margens de erro ocorra simultaneamente.

Esse foi o entendimento do colegiado do IBGE, contestado pela diretora.

Bivar disse que apenas 13 técnicos seriam responsáveis pela duas funções.

A presidente do IBGE diz que a falta de servidores já faz atrasar algumas divulgações, o que não poderia acontecer no caso da renda domiciliar, porque ela terá de estar disponível em janeiro de 2015 para fazer o rateio dos recursos do fundo para os Estados.

"Foi uma decisão de natureza institucional. Optamos por atender a uma prioridade, que envolve um preceito constitucional [o Fundo de Participação dos Estados]. Por isso, decidimos parar com as divulgações', disse.

O instituto tem ainda o receio de ações na Justiça, como ocorre no caso do Fundo de Participação dos Municípios, que contestam as estimativas de população para repartição dos recursos.


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