Folha de S. Paulo


Análise: Ipea retrata paisagem 'suíça' em pesquisa sobre telecomunicações

Há algo estranho, no mínimo contraintuitivo, na nova pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) sobre percepção social dos serviços de telecomunicações. Como pode o setor campeão de reclamações de consumidores ser bem-avaliado por ao menos dois
terços dos brasileiros?

A pesquisa Sips (Sistema de Indicadores de Percepção Social) realizou entrevistas em 3.809 domicílios em 212 municípios do país sobre uso de telecomunicações (telefonia fixa, TV por assinatura, acesso à internet e telefonia celular). A margem de erro do levantamento é de 1,34% no plano nacional e de 5% no detalhamento por grandes regiões.

Para avaliar a qualidade dos serviços, o Ipea usou uma escala de sete níveis, de péssimo a ótimo. Somando as três categorias superiores, o serviço com pior avaliação -como seria de esperar- foi o de celulares, com 65,5%.

Em seguida vêm internet (69,8% de avaliação positiva), telefones convencionais (72,9%) e TV paga (87,2%). Parece uma paisagem suíça, mas é o panorama do Brasil segundo o estudo do Ipea. No cotidiano, qualquer usuário vive experiências impossíveis de conciliar com esse retrato risonho.

Manter uma ligação de celular por mais de um minuto é raridade, em especial se for em movimento. Basta uma tempestade para a TV e a internet por cabo parar. Melhor nem falar da velocidade de dados em smartphones e tablets.

É verdade que o quadro piora um pouco quando se se separa a avaliação dos entrevistados sobre acesso à internet por cabo e por modems 3G (telefonia celular), o que o relatório do Ipea não destaca nem detalha.

No caso do cabo, ela é muito favorável (78,4% de avaliação positiva). Para o 3G, ela despenca para 60,9%. Ainda assim, 6 de cada 10 usuários de smartphones acham que o serviço de dados é algo mais do que regular. Salvo algum viés grosseiro nos questionários ou nas entrevistas do Ipea, falta uma explicação para esse descompasso entre a percepção da qualidade dos serviços e seu desempenho real.

Cabe rememorar algumas informações recentes sobre o setor publicadas na Folha.

O Brasil ocupa a 73ª posição no ranking de velocidade média das conexões de banda larga, entre 243 países, com média 26% abaixo da global. Menos de 1 milhão de brasileiros usa 3G. Quase três quartos (73%) dos usuários de banda larga pretende trocar de operadora por má qualidade de serviços -mas a pesquisa do Ipea diz que só 5,5% de fato mudaram nos últimos dois anos.

O próprio relatório fornece pistas para entender tamanha incongruência. Em primeiro lugar, o país ainda se encontra na fase de disseminar a experiência digital: só 48,1% dos domicílios visitados têm computador e só 40,8% possuem conexão com a internet.

Haveria, assim, um contingente grande de novos usuários. É plausível supor que não tenham vivência suficiente -nem base de comparação- para avaliar com mais critérios os serviços. Além disso, como ressalta o Ipea, é considerável o desconhecimento dos clientes sobre os próprios contratos firmados com os fornecedores dos serviços.

Um exemplo: entre os que usam banda larga móvel, 38,7% não sabem dizer se seu plano tem ou não um um limite para tráfego de dados. E entre os que têm conhecimento da cota, 35,9% não sabem informar o que acontece quando ela é ultrapassada (em geral, redução da velocidade de acesso a 10% da contratada).

A ignorância ou ingenuidade dos consumidores se soma, é claro, à falta de transparência (ou coisa pior) da parte das operadoras. Pode demorar alguns anos, mas um dia os usuários de telecomunicações no Brasil vão se dar conta de que pagam caro por um serviço ruim.


Endereço da página: