Folha de S. Paulo


Ainda não chegou momento ideal para privatizar TAP, diz presidente

Muito se falou sobre a possibilidade de a empresa aérea portuguesa TAP ser privatizada no primeiro trimestre deste ano, mas nada de concreto foi anunciado até o momento.

Se isso de fato acontecer, um dos principais atores da negociação será o brasileiro Fernando Abs da Cruz Souza Pinto, mais conhecido no mundo corporativo da aviação comercial como "engenheiro Fernando Pinto".

Nascido no Rio Grande do Sul e criado no Rio, ele conseguiu a proeza de, sendo brasileiro, ter se tornado, já no ano 2000, quando completou 51 anos de idade, o poderoso diretor-executivo e o principal administrador da TAP.

Apaixonado por aviação desde garoto, filho e irmão de pilotos, ele fez seu primeiro voo sozinho num planador aos 15 anos.

Depois, formado em engenharia mecânica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, chefiou o departamento de manutenção das turbinas da velha Varig, empresa que também presidiu, por quatro anos, a partir de 1996.

Enquanto presidiu a Varig, a despeito dos tempos que não estavam fáceis para as gigantes do setor aéreo em geral, "o engenheiro" modernizou o seu setor de reservas e inseriu a empresa brasileira na Star Alliance, aliança de aéreas então recém-formada por companhias internacionais prestigiosas como United, Lufthansa, Air Canada, Scandinavian e Thai Airways.

Nos mais de 13 anos à frente da TAP, Fernando Pinto atuou para colocar o Brasil na rota da aérea portuguesa lançando voos diretos entre Portugal e o Nordeste brasileiro.

Tal estratégia aproximou o viajante europeu, que não tem mais a necessidade de vir até São Paulo ou Rio para visitar cidades como Recife e Salvador.

Por outro lado, a TAP, até então muito identificada com a colônia portuguesa, se tornou uma ponte para o turista brasileiro que se destina à Europa. Hoje, mais de 70 frequências semanais da TAP ligam Portugal a mais de dez aeroportos no Brasil.

Ainda assim, o jornal português "Público" estimou que, até julho de 2013, o prejuízo da aérea lusa havia sido de € 11 milhões.

Por outro lado, em 2013 a companhia chegou a setembro com lucros de € 8,5 milhões; no mesmo período do ano anterior ela havia tido perdas de € 9,7 milhões.

Leia a seguir a entrevista exclusiva que Fernando Pinto concedeu à Folha para falar das possibilidades da privatização da TAP, do equacionamento de sua dívidas e das tendências do setor aéreo. O engenheiro também conta a seguir a história de sua família, uma história que se confunde com a da aviação brasileira nas últimas cinco décadas.

*

Folha - Como o sr. vê o futuro da aviação comercial em geral e para as empresas brasileiras, europeias, americanas e asiáticas?

Fernando Pinto - Futuro da aviação comercial? Bom, isso dá uma tese! Acho que, no Brasil, há um mercado crescente para a aviação. Esse crescimento do poder aquisitivo do brasileiro realmente irá criar muitas oportunidades.

Havia um excesso de oferta, mas eu acho que, hoje, há uma melhor disciplina do mercado -e eu vejo um futuro brilhante para as empresas brasileiras.

Já as companhias aéreas europeias, apesar do momento de dificuldade econômica no Velho Continente, elas têm tido um nível de crescimento bastante bom, o que significa que o mercado responde bem.

Elas, as europeias, têm um grande desafio, que é enfrentar a competição das empresas do Oriente Médio.

As empresas americanas, com as fusões que aconteceram, agora se concentram em quatro grandes grupos.

Isso trouxe também uma melhor disciplina de mercado e, em termos de resultados, está dando impactos positivos.

As companhias aéreas asiáticas, graças ao forte crescimento da economia naquela área do mundo, têm também futuro promissor.

O jornal português "Público" afirmou que, até junho do ano passado, o prejuízo da TAP havia sido de € 11 milhões. A informação é correta? O que é que onerou a empresa e como o sr. pretende equacionar tal dívida?

Sobre a dívida a que você se refere, normalmente o primeiro semestre de um ano é sempre negativo. Diria que, em 2013, tivemos até um resultado muito melhor do que no ano anterior. Há a questão da sazonalidade, as férias no Brasil são em julho e agosto, com algum tráfego até setembro, que é a época em que as empresas realmente têm mais tráfego

Em todos os anos de gestão à frente da TAP, desde o ano 2000, temos sempre reduzido a dívida em relação ao ano anterior.

Em média, essa dívida tem reduzido algo em torno de € 100 milhões por ano. Calculo que a dívida, ao fim do ano que recém-terminou, tenha ficado em torno de € 800 mil.

O grande problema do endividamento da TAP é que, embora tenha diminuído e esteja perfeitamente sob controle, e seja muito melhor que a maioria das empresas da Europa, é que ele reduz a rentabilidade da empresa. Ou seja, em vez de estarmos a pagar dividendos, estamos a pagar juros, é esse o problema...

Em 2013, nossa taxa de ocupação de assentos chegou a 79%, o que é um recorde absoluto na empresa, nunca tinha tido isso.

Nestes ano, esse número não deve aumentar, pois nós estamos aumentando muito a nossa oferta, teremos seis aviões a mais.

Operamos 74 voos por semana para o Brasil e logo teremos 82 frequências em 2014, com as novas rotas e voos adicionais entre Lisboa, Manaus e Belém.

Qual é a situação da TAP hoje em relação ao início da sua gestão?

A TAP tem um funcionamento muito bom, uma boa posição estratégica, é a maior empresa aérea europeia com serviços para o Brasil. E tem um forte posicionamento para África também. Portugal está numa posição privilegiada, é o ponto mais ocidental da Europa, e isso ajuda as ligações para o outro lado do Atlântico e também para África.

A empresa em tido bons resultados, crescentes, tem baixos custos, é uma companhia aérea que traz interesse a outras empresas europeias.

Mas esse talvez não seja o momento melhor para privatização ocorrer -e, se a privatização não aconteceu, não é porque a TAP não é atrativa, é porque há uma dificuldade de mercado de momento, embora várias empresas tenham manifestado interesse em participar da empresa junto ao governo de Portugal.

Sobre as chances de a privatização sair em 2014, ela depende de uma decisão do governo português, que está avaliando o melhor momento do mercado para decidir.

Quando me juntei à TAP, no ano 2000, a companhia estava para ser privatizada e ia ser comprada pela Swissair. Assim, o primeiro contato que fiz foi com o presidente da Swissair. Houve então uma negociação tripartida entre o governo português, principal acionista da TAP, a Swissair e eu.

Na ocasião, assumi a TAP junto com um grupo de brasileiros. A empresa vinha perdendo bastante, nos dois últimos anos ela tinha perdido € 100 milhões a cada ano -e estava com uma dificuldade de tesouraria muito grande, pois o Estado português não podia emprestar dinheiro.

O dinheiro, ficou acertado, viria da privatização, mas isso não aconteceu. Foi um período muito difícil em que tivemos que buscar o dinheiro em bancos.

Isso foi possível devido à nossa credibilidade e conseguimos um empréstimo inicial, uns financiamentos e fomos montando um programa para ser aprovado pela Comunidade Econômica Europeia.

E, felizmente, foi aprovado, dando início ao nosso plano.

E como comparar a TAP do ano 2000 com a empresa hoje nos aspectos financeiro, de rotas e de frota?

Hoje a TAP é duas vezes e meia maior do que era naquela época, no ano 2000, embora tenha um endividamento menor.

Deve cerca de € 800 milhões, mas, na época em que iniciamos, a dívida era de € 1 bilhão.

Ou seja, agora, em 2014, a TAP tem uma atividade maior, muito mais aviões, e seu endividamento é menor.

A frota, que era de 30 aviões, hoje em dia, somando com a frota da [empresa regional da TAP] Portugália, resulta em 71 aeronaves.

E nós compramos a Portugália, que foi um investimento de € 140 milhões.

Compramos ainda vários aviões novos, que são de propriedade da empresa.

Temos praticamente 70% de frota própria e estamos em vários processos de aquisição de novos equipamentos.

E conseguimos crescer tudo isso, com praticamente o mesmo número de funcionários que tínhamos no ano 2000.

A TAP é reconhecida como uma das empresas mais eficientes em número de funcionários, em custo de pessoal.

É uma empresa aérea que nos últimos sete anos só teve um ano muito crítico: o ano de 2008.

Quando assumi a TAP, ela já tinha uma base importante, que era a sua manutenção, a formação dos pilotos e até o seu nível de serviço. Portanto, tinha uma base boa para se trabalhar.

Precisava de ser reestruturada principalmente em termos de linhas de serviço e eficiência, e fizemos isso criando o "hub" [centro de distribuição de voos] de Lisboa, o centro de distribuição de tráfego, que permitiu crescer em várias áreas.

Por exemplo, a ligação do Brasil, cresceu de 18 voos por semana para 74; para a África, havia 12 frequências, e hoje já estamos chegando às 70 frequências por semana para lá também.

Crescemos bastante na Europa e na ligação de todos esses tráfegos, criando uma sinergia de passageiros.

Em termos de equipamento, como o sr. vê a briga das fabricantes Boeing e Airbus? E a Embraer, equipa a TAP?

A Embraer já faz parte da TAP. Através da nossa empresa Portugália, voamos com o bijato Embraer-145 com muito sucesso em todas as rotas.

O passageiro gosta do avião e ele agrega valor às rotas da TAP.

Quanto à Boeing e à Airbus, a briga entre essas gigantes fabricantes de jatos comerciais tem se mantido bastante equilibrada. Um lidera por vezes, o outro lidera nas outras vezes, mas ambos os produtos são bastante competitivos.

Minha impressão é que esse "duopólio" ainda continua por muitos e muitos anos. Mas ainda bem que, com modelos cada vez melhores, as duas empresas tenham investido muito na melhoria dos aviões que oferecem.

As empresas aéreas e o passageiro, de certa forma, estão voando em aviões cada vez mais eficientes e o menor consumo de combustível tem permitido tarifas cada vez mais atrativas.

Como era o assunto aviação em sua família? Como aconteceu, na sua infância, o seu interesse por aviões?

Meu pai era piloto [Lili de Souza Pinto, mítico funcionário da Varig e o piloto que trouxe alguns dos principais aviões da frota da empresa] e meu irmão foi comandante de Boeing-747. Aí realmente tem história!

Na verdade, éramos todos pilotos, eu também.

Meu irmão foi o meu instrutor e a minha história começa com o primeiro voo que eu fiz, num avião pequeno, um monomotor, pilotado por um tio meu, que também era piloto, foi também comandante de B-747.

Sem dúvida, se falava muito de aviação em família! Enquanto morávamos com o meu pai, entre nós três, havia muita conversa sobre aviação.

Meu pai era uma pessoa superprofissional, além de ter funções internas, de ser "DOV" (diretor de operações de voo), ele voava sempre que era chamado.

Não tinha discussão, ele estava sempre pronto.

Como ele era uma pessoa ligada à segurança de voo, havia muitas conversas sobre segurança em família, de que forma tem que se pilotar um avião e tudo mais.

Já meu irmão foi meu instrutor, em planadores; comecei a voar em planadores quando tinha 14 anos. Meu primeiro voo sozinho foi quando eu tinha 15 anos.

Antes disso, com nove ou dez anos de idade, eu já fazia aeromodelos e dizia que queria ser piloto, assim como o meu irmão, assim como o meu pai.

Era inevitável, eu vim desse meio.

O sr. foi presidente da Varig entre 1996 e 2000. E com que idade o sr. começou a trabalhar nessa empresa?

Na juventude, decidi fazer engenharia. Fiz primeiro um curso técnico, de máquinas e motores, e fui estudar engenharia porque também gostava da parte do processo de construção, de fabricação.

Fui fazendo em paralelo, enquanto dava a instrução no aeroclube de voo, fazia o meu curso

Terminando o curso, eu já tinha também o tempo necessário para a aviação, já tinha horas de voo e fui chamado para assumir um projeto muito grande na Varig.

Era a construção de toda uma nova área que ia ser feita, relacionada com teste de motores e turbinas grandes.

Um projeto enorme, internacional, com várias empresas envolvidas, e eu fui chamado como estagiário ainda, não resisti a esse desafio.

Tinha 24 anos, tinha me formado, e foi aí que comecei a trabalhar na Varig, no Rio de Janeiro.

Vivi apenas 12 anos no Rio Grande do Sul, depois a diretoria da Varig mudou para o Rio de Janeiro -e o meu pai foi transferido para lá.

A minha fase profissional foi sempre no Rio de Janeiro, estudei lá engenharia, na Universidade Federal.

Depois, já na Varig, fiquei chefe da área de oficinas, motores e acessórios. E fiquei nessa área de 1973 a 1988, por 15 anos, foi bastante tempo.

Saí convidado para trabalhar como diretor-técnico na Rio-Sul [então subsidiária da Varig]. Era uma empresa de aviões menores, uma empresa regional, como nós chamávamos.

Essa parte foi importante principalmente no aprendizado de gestão e de trabalhar com pessoas.

Desde essa época que eu procuro ter uma equipe muito unida, harmonizada, tentando que seja bem-informada e mantendo um contato pessoal com todos os trabalhadores.

No meio aeronáutico brasileiro, há a história de que o sr. foi o primeiro a decolar um avião do tipo ultraleve. Como foi isso?

Isso ocorreu porque eu era o mais magro! Foi depois de um período em que estive em França, quando fiquei um ano na Airbus, representando a Varig, em 1981.

Lá, tive contato com várias pessoas. E uma delas, que era também da Varig, estava interessada em desenvolver a aviação de ultraleves no Brasil.

Ele comprou um avião bem primário e nós o levamos para um campo para ver se ele realmente voava.

Com eu mesmo era muito leve naquela época, pesava apenas 62 quilos, acabei realizando a proeza da primeira decolagem, já que todos os outros companheiros -me lembro que éramos cinco oficiais de Aeronáutica- eram mais pesados do que eu!

E, então, eles corriam na pista, mas o aviãozinho não saía do chão até que eu sentei no avião e ele decolou.

Aí eu pensei: isto é fácil! Mas, quando vi, estava passando em cima da torre de controle...

E foi assim que eu decolei pela primeira vez um ultraleve no Brasil -e acabei fazendo uma fábrica junto com esse grupo.

Construímos muitos, perto de 2.000 aviões, entre fabricação e venda. Foi uma grande fábrica e foi um intervalo da minha vida.

Foi então que virei diretor-técnico da Rio-Sul, depois presidente-regional...

A Rio-Sul, que então estava numa situação bem complicada, acabou recuperada. Trabalhei lá quatro anos maravilhosos e, a seguir, fui chamado para a Varig, que também estava com grandes problemas, na época.

Com uma equipe boa, conseguimos, em outros quatro anos bons, resultados e indicadores importantes, embora àquela altura a empresa precisasse, no entanto, ser capitalizada.


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