Folha de S. Paulo


Grifes mantêm forte presença na periferia, mas não assumem classe C

Um dos palcos dos "rolezinhos", o shopping Campo Limpo, na zona Sul de São Paulo, tem multimarcas que vendem, em média, o mesmo que uma loja de grife do shopping Higienópolis (zona oeste), uma das regiões mais ricas da capital paulista.

Essas lojas, localizadas em área de periferia, vendem cerca de R$ 500 por vez.

Por meio das multimarcas, as grifes estão presentes fora das áreas ricas de São Paulo, onde as empresas concentram suas butiques.

Longe do centro, as marcas são vendidas para jovens da classe C que normalmente pagam o valor das compras parcelado no cartão de crédito.

Na loja Tennis Station, também no shopping Campo Limpo, o modelo de tênis mais procurado, da Mizuno, custa R$1.000.

A gerente da loja "Kamarote", Sheila Cenerino, diz que ali "realiza sonhos". "As pessoas ficam guardando dinheiro. O carro-chefe é um sapatênis da Osklen de R$ 400."

No entanto, esses consumidores não fazem parte do público-alvo das marcas e não são assumidos por elas.

"Não vi nenhuma empresa assumir essa realidade e se lançar nos negócios. Elas têm medo porque, se você se vincula à classe C, pode perder a classe A, que dá status à marca", explica o CEO da Ayr Consulting, Luís Rosquilha.

Editoria de Arte/Folhapress

INTERESSE

Temores à parte, consultores ouvidos pela Folha afirmam que as empresas estão cientes do potencial da classe C e tentam ganhar com ela sem afastar de clientes mais ricos.

"Mais empresas me procuraram para se fortalecer nesse mercado do que para sair das letras do funk ostentação [ritmo cheio de referências a marcas de luxo]. Há um potencial gigantesco", diz o presidente do instituto Data Popular, Renato Meirelles.

Segundo pesquisa do Data Popular, a renda da classe média jovem em dezembro (R$ 129,2 bilhões) era superior à de seus pares ricos e pobres somadas (R$ 99,9 bilhões).

As estratégias aplicadas na aproximação a esse público ainda são bastante sutis. Segundo Meirelles, ele tem levado empresários para festas na periferia, organizado reuniões com jovens da classe C, além de incentivar as marcas a patrocinar nomes do funk ostentação –que são modelos de estilo para muitos jovens.

Esses esforços não são percebidos pelo diretor Renato Barreiros, responsável por dez clipes de MCs e por um documentário sobre o tema.

"As marcas grandes nunca fizeram um sinal. Não tem um patrocínio, só de algumas lojas e confecções pequenas que querem se projetar para atrair o público. E tem clipes com três milhões de visualizações", disse.

RISCOS E ESTRATÉGIAS

Para o sócio da consultoria Top Brands Rodrigo Puga, a dificuldade de se associar ao funk e à classe C está ligada aos riscos na mudança de posicionamento da marca.

"Investir em um público que não é o seu é arriscado, ainda mais quando esses cantores estão expostos, aparecendo em capa de revista", diz.

No entanto, Puga considera que, ao ter um ponto de venda fora da região mais nobre, a marca já está alterando seu posicionamento.

"Cabe ao gestor da marca optar e resguardar os consumidores para quem quer trabalhar. Dizemos que tudo no marketing 'quer dizer', inclusive estar em um ponto onde seu público nato não está tem um significado, é uma decisão financeira e comercial", disse.

Além vender em lugares diferentes dos frequentados por seu público, perceber os tipos de produtos populares em cada área e reforçar sua distribuição são outras estratégias que as empresas podem ter para se aproximar da classe sem serem notadas.

"A variedade de produtos é imensa e o que o consumidor encontra no shopping de classe A, não encontra no de classe C", diz a consultora Patricia Sant'Anna.

A pólo da Lacoste, que tem um jacaré bordado, é um exemplo. Segundo os consultores, nos shoppings de áreas ricas o símbolo é pequeno e as cores da peça são discretas. Nos da classe C, as preferidas têm o símbolo bem grande, são coloridas e cheias de detalhes.

"É a realização da aparência daquela pessoa, é por meio das roupas que ela mostra o que conquistou", diz Sant'Anna.

OUTRO LADO

Procuradas pela Folha, a Mizuno não quis comentar o assunto. A Osklen não respondeu.


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