Folha de S. Paulo


Crise argentina pode se agravar com hiperinflação, diz Domingo Cavallo

Em um momento em que a Argentina volta a encarar uma crise econômica após sua moeda, o peso, ter alcançado a maior desvalorização em 12 anos e suas reservas caírem de US$ 43 bilhões em janeiro de 2013 para US$ 28,2 bilhões, anteontem, o nome do ex-ministro da Economia Domingo Felipe Cavallo, 67, reaparece no noticiário.

Cavallo, que comandou a Fazenda durante dois períodos, de 1991 a 1995, e em 2001, quando renunciou ao cargo um dia antes de o presidente Fernando De La Rúa fazer o mesmo, foi o responsável por atrelar o peso ao dólar em 1992, durante o governo de Carlos Menem. Essa conversibilidade é vista por muitos analistas como um dos maiores erros da política econômica argentina e como a responsável pelos problemas atuais do país.

Em dezembro de 2001, ele implementou uma das medidas mais polêmicas do país até hoje: o chamado "corralito", que congelou os depósitos bancários.

Cavallo recebeu a Folha em seu escritório em Palermo Chico, um dos bairros mais nobres de Buenos Aires, para falar do atual cenário econômico do país. Disse que até hoje "suporta" uma campanha de demonização" de seu trabalho e que sempre fez "o que considerei melhor para a Argentina".

Leia abaixo a entrevista com Domingo Felipe Cavallo:

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Folha -O sr. acha que a Argentina já vive uma crise econômica ou o que passou foi apenas um 'deslize cambial', como disse o atual ministro da Economia?
Domingo Cavallo - Já estamos em crise, já existe uma brecha de mais de 50% entre o dólar oficial e o paralelo. O problema é que essa crise pode se agravar muito com uma hiperinflação. E seguramente vem uma recessão. E este governo não dá nenhum sinal que possa levar alguém a acreditar que haja uma solução.

O que o sr. acha que deveria ser feito neste momento?
A única forma que o governo teria para controlar o tipo de câmbio comercial seria legalizar o mercado paralelo. Transformando-o em um mercado financeiro e turístico absolutamente livre, no qual o Banco Central não possa intervir. E no qual a cotação do dólar seja a que o mercado disser que tem que ser.

Isso funcionaria?
Por um tempo. À medida que o Banco Central e o governo fossem implementando políticas econômicas razoáveis poderia, talvez, fazer com que os dois tipos de câmbio convergissem por um período de tempo, sem que houvesse uma explosão da inflação. Mas, lamentavelmente, o governo não está seguindo esse caminho, que seria o mais ou menos lógico neste momento, dada a pouca credibilidade que tem.

A liberação da compra de dólares para investimento ajudará em alguma coisa?
Não ajudará em nada, será um tiro pela culatra. Tem efeito contraproducente. Perdem reservas adicionais para que as pessoas poupem ou façam turismo ou paguem com cartão de crédito no exterior, mas em quantidade limitada. Não satisfaz a demanda, e essas pessoas voltam a recorrer ao mercado paralelo.

Acredita que a conversibilidade ainda poderia funcionar na Argentina?
Depende do que se entende por conversibilidade. Se for pelo que sempre preguei, que foi a livre eleição da moeda, dizer que os argentinos, que já haviam se acostumado a usar dólares, poderiam escolher entre dólares e pesos, sem dúvida vai ser necessário voltar a ela.

E a paridade cambial?
Não. Tendo em conta o quão volátil estão as moedas no resto do mundo e os termos de intercâmbio, a Argentina vai ter que escolher um tipo de câmbio flutuante. Isso não significa que constantemente se desvalorize o peso.

O regime de "currency board" (paridade cambial) que o sr. Adotou na Argentina nos anos 90 tem alguma responsabilidade na crise atual?
Nenhuma, pelo contrário. O que está acontecendo agora é culpa do abandono do "currency board" com a pesificação [ em 2002, quando acabou a paridade do peso com o dólar]. Se a Argentina tivesse simplesmente deixado o peso flutuar, não estaríamos tendo os problemas de agora. A destruição do "currency board" significou transformar o peso em uma moeda absolutamente inconversível e na qual nenhuma pessoa voltaria a confiar.

O sr. tem algum remorso das políticas econômicas implementou?
Nenhum. Tenho apenas uma angústia de não ter conseguido, em 2001, convencer os principais dirigentes do país de que era preciso buscar uma saída ordenada para a situação em que estávamos. Eu sou um lutador que está seguro das coisas pelas quais luta, então estou tranquilo. Fiz sempre o que considerei que era bom para a Argentina. E acho que a História vai registrar um período no qual realmente a Argentina se integrou ao mundo, teve estabilidade, se modernizou, criou grande capacidade produtivo. E esse período foi quando se aplicaram as ideias pelas quais eu briguei


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