Folha de S. Paulo


Livro discute exploração de trabalhadores por empresas

"O produto da Nike se tornou sinônimo de renda escrava, sobretrabalho forçado e abuso arbitrário. Eu verdadeiramente acredito que o consumidor americano não quer comprar produtos feitos em condições abusivas."

As palavras são do fundador da Nike em 1998. Naquele ano, a empresa enfrentava protestos e boicotes, e suas ações despencavam. A foto de um garoto paquistanês de 12 anos costurando uma bola de futebol da marca escancarou a produção degradante. A alegação de que a companhia não era responsável pelas péssimas condições de trabalho de seus fornecedores não fora suficiente para aplacar a ira de compradores, trabalhadores e investidores.

A empresa foi a primeira indústria norte-americana a ter sua produção inteiramente no exterior. Na esteira da desregulamentação financeira e das privatizações, os capitais migraram pelo mundo em busca de mão de obra e de recursos mais baratos –e de legislações e controles mais frouxos.

Nesse processo, ocorreram barbaridades. No mais mortífero desastre industrial da história, ocorrido em Bhopal, na Índia, em 1984, um megavazamento na fábrica de pesticida da Union Carbide matou milhares e deixou sequelas numa multidão que ainda reivindica auxílio e compensações.

Não é preciso voltar tanto no passado. Há pouco mais de três anos foram reveladas as condições degradantes do trabalho na Foxconn, na China, fabricante de ícones do consumo atual. IPads e iPhones da idolatrada Apple são feitos a partir de jornadas terríveis, crianças na linha de montagem, poluição, falhas de segurança, de saúde.

Aqui mesmo em São Paulo temos exemplos rotineiros de trabalho análogo à escravidão para marcas famosas na indústria têxtil.

Para avaliar essas situações e propor soluções globais, a ONU formou um grupo de trabalho em 2005. Durante seis anos, foram feitas pesquisas e análises que resultaram na elaboração de uma tábua de princípios norteadores para negócios e direitos humanos.

A coordenação do estudo foi feita pelo cientista político John Gerard Ruggie, que conta detalhes do processo em "Just Business – Multinational Corporations and Human Rights" [apenas negócios – corporações multinacionais e direitos humanos].

Apu Gomes/Folhapress
Bolivianos trabalham durante fiscalização do Ministério Público para apurar denúncia de trabalho escravo em São Paulo
Bolivianos trabalham durante fiscalização do Ministério Público para apurar denúncia de trabalho escravo em São Paulo

O volume aponta a ação de empresas em casos de violência, assédio sexual, abuso de trabalhadoras, trabalho infantil, emprego de seguranças ligados a grupos paramilitares acusados de torturar e até matar lideranças de trabalhadores. Relata como Estados são lenientes na defesa de seus cidadãos –ou temem perder investimentos de multinacionais e/ou são fracos e corruptos.

RESPONSABILIDADES
Ruggie, 69, nasceu na Áustria, mas fez sua carreira acadêmica nos EUA. Seu livro não é um levantamento exaustivo de casos de violações dos direitos humanos. O foco está na discussão sobre os parâmetros que empresas e governos deveriam usar para garantir que trabalhadores e comunidades não sejam prejudicados pela atividade empresarial.

"Estados devem proteger, companhias devem respeitar, e aqueles que foram prejudicados devem ter reparação", resume o autor.

Ele relata como as empresas usam de subterfúgios jurídicos para escapar de punições e agem geralmente após a divulgação do problema. Assinala que ignorar direitos pode se refletir no resultado das empresas. Lembra, por exemplo, do caso de um fundo norueguês que deixou de investir em empresas acusadas de não respeitar direitos humanos, como o Walmart.

Ruggie afirma que, "em relação a negócios e direitos humanos, nem governos nem companhias estavam preparados para essa onda da globalização". Mas não foi justamente para obter essas vantagens que as companhias migraram?

Com um enfoque otimista, ele enxerga que o seu trabalho na ONU pode ser o início de uma mudança no comportamento empresarial. Ressalta as mobilizações contra violações e defende que empresas estão se conscientizando da necessidade de fazer "negócios justos" –uma outra leitura para o título. Tomara.

*"JUST BUSINESS - Multinational Corporations AND HUMAN RIGHTS"
AUTOR John Gerard
EDITORA WW Norton & Company
QUANTO US$ 18,32, na Amazon (R$ 43, 304 págs.)
AVALIAÇÃO Bom


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