Folha de S. Paulo


Manobra ajudou Odebrecht no Galeão

Um mês antes do leilão dos aeroportos do Galeão (RJ) e de Confins (MG), o governo liberou o FI-FGTS, fundo criado com recursos do trabalhador, para investir em aeroportos. A decisão abriu caminho para a Odebrecht TransPort, que tem o fundo como sócio, vencer a disputa pelo Galeão.

A liberação para o fundo atuar nesse setor ocorreu por uma manobra legislativa.

O deputado João Carlos Bacelar (PR-BA) inseriu artigo ampliando o alcance dos investimentos do FI-FGTS em uma lei, de outubro, que tratava da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). A mudança foi sancionada pela presidente Dilma.

Até então, o FI-FGTS, criado em 2008 para investimentos em infraestrutura, só podia atuar em energia, rodovia, ferrovia, hidrovia, porto e saneamento.

O governo nega direcionamento e diz que a mudança poderia destravar investimentos em geral. Afirma que qualquer empresa do setor poderia recorrer ao FI-FGTS (leia texto abaixo).

Em 2010, o FI-FGTS adquiriu 30% da Odebrecht TransPort --a única entre as participantes dos leilões de aeroportos que tinha o fundo como sócia. Mesmo sem poder contar com recursos do fundo, a empresa disputou Guarulhos e Viracopos, em 2012. Mas foi derrotada com um lance conservador.

Acabou perdendo Guarulhos para a OAS, que tem como sócios os fundos de pensão de BB, Caixa e Petrobras.

Desta vez, a Odebrecht virou o jogo. Convenceu o governo a impor restrições para quem já administrava aeroportos a participar do leilão de Confins e Galeão --desagradando a OAS e os fundos de pensão-- e teve o FI-FGTS liberado por lei.

Manobra legislativa similar ocorreu antes do leilão de Guarulhos, em fevereiro de 2012. Mas deu errado, porque a presidente Dilma vetou.

No segundo leilão, o governo mudou de ideia para estimular a concorrência por Galeão e Confins. Resultado: cinco concorrentes para o Galeão e três para Confins. A Odebrecht levou o Galeão por R$ 19 bilhões, com ágio de 294%.

O segundo maior lance foi R$ 4,5 bilhões menor que o da Odebrecht. Ninguém teve fôlego financeiro para cobri-la.

Nos bastidores, concorrentes mostraram-se surpresos com o apetite da companhia. Causou estranheza o aval do FI-FGTS para uma proposta tão agressiva. Em outros leilões de infraestrutura em que o fundo participou, os lances foram mais cautelosos.

O fundo opera com recursos do FGTS e não pode correr riscos elevados.

PROTEÇÃO

Ao entrar em um negócio como sócio, o fundo impõe regras severas de proteção. No Galeão, em caso de eventual prejuízo, poderá sair da sociedade. Neste caso, sua participação vira dívida, a ser honrada pela Odebrecht.

No passado, a entrada do fundo em aeroportos foi vetada pelo conselho curador do FGTS. Em outubro, o conselho validou a mudança, às vésperas da aprovação da lei.

A decisão não foi unânime. Trabalhadores preferiam apostar em habitação e saneamento. "Investimento tem de trazer benefício social e gerar emprego", diz Cláudio da Silva Gomes, representante da CUT no Conselho Curador do FGTS e no FI-FGTS.

OUTRO LADO

Por meio de sua assessoria, a Casa Civil informou que a inclusão dos aeroportos no cardápio de investimento do FI-FGTS foi tomada pelo Congresso e teve aval da Presidência da República.

"O governo considerou que a alteração proposta pelo Congresso poderia ajudar a destravar os investimentos para o setor como um todo", disse a assessoria da Casa Civil por e-mail.

Ainda segundo a Casa Civil, o veto da Presidência à mesma mudança no passado ocorreu porque "as propostas de ampliação dos setores que poderiam ser objeto dos investimentos do FI-FGTS eram muito mais abrangentes e focadas em projetos associados à Copa do Mundo e à Olimpíada".

O governo disse ainda que a emenda foi proposta e aprovada no Congresso em sessões públicas, de "acesso amplo, geral e irrestrito", e negou qualquer ajuda ao grupo vencedor no leilão dos aeroportos ocorridos na semana retrasada.

Por meio de sua assessoria, a Odebrecht TransPort negou qualquer "gestão para mudança desta ou de qualquer outra lei". A empresa disse ainda que participou de leilões anteriores tendo o FI-FGTS como sócio e ainda proibido de aportar recursos em obras de aeroportos.

A Folha ligou para o deputado João Carlos Bacelar e também para o assessor jurídico no projeto, mas não obteve resposta até a conclusão desta edição. Consultada, a Caixa Econômica Federal, que gere o FI-FGTS, não quis comentar.

Colaborou CLAUDIA ROLLI, de São Paulo


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