Folha de S. Paulo


ANP fará "leilão piloto" para estimular produção de gás em terra

A diretora-geral da ANP (Agência Nacional do Petróleo), Magda Chambriard, considera o leilão que será realizado na próxima quinta-feira (28) uma espécie de "piloto" para o Brasil entrar na era no gás não convencional, uma fonte de energia que para ser obtida utiliza uma técnica conhecida por fraturamento hidráulico, ou quebra de rochas.

A chamada 12ª rodada de licitações, que ocorre em um ano em que já foram realizados dois leilões, após cinco anos de abstinência, vai ofertar 240 blocos em terra, em sete bacias sedimentares, pela primeira vez para exploração de gás convencional e não convencional.

A falta de regras para disciplinar a metodologia utilizada para explorar o gás não convencional, o fraturamento hidráulico (quebra da rocha geradora do gás), não é considerada um problema, na avaliação da diretora. Ela prevê editar uma resolução que regulamenta essa exploração no começo do ano que vem, "ou se der, em dezembro", bem antes do início de uma eventual exploração, argumenta.

A ausência de uma arcabouço regulatório foi apontado por analistas como motivo do pequeno número de empresas interessadas. De um total de 26 que manifestaram interesse, 20 foram habilitadas e apenas 12 depositaram garantias.

Magda falou nesta segunda-feira (25) à Folha sobre as perspectivas do leilão, e argumentou que no caso dessa disputa, o mais importante serão as informações que os novos concessionários darão para a agência ao longo dos próximos anos, e que poderão fazer o país repetir em terra o sucesso exploratório que vem obtendo há anos no mar.

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Folha - A senhora não acha arriscado fazer um leilão para exploração de gás não convencional sem regras definidas? Vai dar tempo de publicar a resolução antes do leilão?

Magda Chambriard - Não vai sair antes do leilão não. Quando a gente colocou isso, nós tínhamos a certeza que não dava tempo para fazer antes do leilão. Mas mais que isso, a gente está querendo fomentar uma discussão. A R12 [12ª rodada] é uma rodada em terra para gás natural. O que nós estamos querendo é atrair a atenção das companhias para uma coisa que é novidade no país, que é exploração de gás natural em terra.

Mas por que a senhora considera o leilão uma espécie de piloto?

Eu chamo esse leilão de uma coisa pioneira, piloto. Mas se você for ver bem, a gente já ensaiou um pouco isso quando a gente fez R11 (11ª rodada, em maio de 2013), a gente teve as bacias de Tucano, Parnaíba. Mas dessa vez, o que é de piloto nisso, é que essas áreas são áreas que nós entendemos que são prioritariamente para gás. Nós temos duas coisas que são novidade. Ser uma rodada com foco em gás, e ainda por cima em terra. O gás não convencional para mim é o de menos.

Poucas empresas se inscreveram, menos da metade do primeiro leilão do ano sob o regime de concessão. Por que isso aconteceu?

Nós temos uma rodada que não pode ser comparada de maneira nenhuma com R11. E não pode ser comparada de maneira nenhuma com pré-sal (leilão sob regime de partilha, que só teve um consórcio). Não pode ser comparada à R11 porque não tem mar, não tem área de mais alto potencial, está distante da área foco do país (região Sudeste), está descentralizando em investimento exploratório para áreas mais remotas, mais sem infraestrutura, áreas que a gente está contando com gasodutos no futuro e também com linhas de transmissão, naquela proposta que eu venho mostrando. Além disso, nós já tivemos, por exemplo, oferta de áreas para gás no começo do ano, na R11.

Mas tem vínculo no contrato para que se construa gasoduto ou linha de transmissão?

Não, é só uma sugestão.

Mas tem havido reclamação de ambientalistas sobre os perigos do chamado shale gás, que no Brasil não é de xisto como nos Estados Unidos, mas de folhelho. Em alguns países da Europa o fraturamento do solo é inclusive proibido.

Essas pessoas estão falando muito da possibilidade de gás não convencional, que na verdade eu nem sei se vai acontecer. A nossa lei diz o seguinte: eu vou assinar com uma companhia um contrato que vai definir uma área em superfície e que pode explorar qualquer horizonte.

Portanto, uma rocha geradora, que é o horizonte não convencional, em caso de existir nas rodadas passadas, já podia ser explorada. O que na verdade estou fazendo com essa resolução é outra coisa. Estou criando regra para disciplinar uma coisa que não aconteceu ainda, mas que pode começar acontecer, porque as empresas começam a falar muito em não convencional.

E já existem inclusive empresas pedindo para explorar o gás não convencional na bacia de São Francisco. Como a ANP está fazendo com essas empresas?

Na bacia de São Francisco o não convencional é diferente, não é de folhelho, é a rocha reservatória que é muito fechada, o tal do "tight gas". A resolução que estamos fazendo vai disciplinar isso. Mas, no momento que as companhias começam a falar muito de não convencional, uma coisa que elas já poderiam ter feito, porque não há impedimento, agora vou ter uma resolução. Uma área que vai sofrer um licenciamento no futuro, seja de R12 ou não, com vistas a fraturar uma rocha geradora, vai ter que observar coisas que antes não precisava.

Não seria melhor primeiro fazer a regulamentação e depois o leilão?

E as que já estão concedidas? Eu tenho áreas que já estão concedidas e podem ter gás não convencional. O que eu vou fazer agora é coletar informações para entender melhor essas áreas. Nesse edital eu eu estou reconhecendo que é importante para o Brasil o gás natural em terra. A inovação desse edital é que estou obrigando o concessionário a coletar um conjunto de dados e informações que eu preciso para eu concluir no futuro, e isso pode ser convencional ou não convencional.

Mas desde que foi anunciado no início do ano se esperava que esse leilão tivesse áreas com potencial de gás não convencional. Esse não será o foco?

Não convencional é dependente de um número muito grande de poços, então quando eu falo de não convencional, é que eu vou explorar para não convencional, mas antes eu preciso de estatísticas e um número muito grande de poços. Com o conjunto de dados que eu tenho hoje, a companhia nesse leilão pode fazer uma aposta. Mas, a maioria das áreas do leilão tem tão pouca informação, por isso é difícil uma empresa afirmar: vou entrar no leilão para disputar o não convencional.

Então nesse leilão a ANP quer que os agentes da indústria deem informações sobre as áreas?

Está no edital. O objetivo de furar até o horizonte exploratório que a gente definiu, que é o não convencional, enseja também a obrigação para um conjunto de análises que estou requerendo. É essa a novidade. A outra novidade é, em tendo um conjunto de informações que anime o concessionário a progredir na direção de um não convencional. Eu criei uma regra para estender o período da fase exploratória com esse objetivo, essa é a diferença dos outros contratos. Esse benefício do contrato novo pode ser usado para o detentor de uma área que já comprou lá atrás, desde que não prejudique terceiros ou dê margem para um terceiro dizer: "se fosse assim eu também queria".

E o que vai dizer a resolução prevista para regulamentar o fraturamento hidráulico?

A resolução está dizendo algumas coisas, está dizendo que importa a distância entre a rocha geradora e um eventual aquífero, ou seja, se o concessionário tiver que fazer um fraturamento, ele só poderá fazer o fraturamento se com fatos e dados ele puder provar para nós que esse fraturamento não compromete o ambiente em torno dele. Que não exista a menor possibilidade de ter aquífero perto, que esse poço está revestido e cimentado, e que a cimentação é muito boa. Todas essas coisas estão na resolução. Para submeter um projeto não convencional, a primeira coisa que você vai precisar providenciar será uma análise do aquífero, porque esse aquífero, que eu não sei a qualidade dele hoje, amanhã pode ter alguma coisa que alguém diga que foi a empresa que causou. A resolução é na verdade uma proteção da sociedade.

Mas alguns analistas dizem que por falta de uma regulação poucas empresas vão se arriscar.

Vai ser mais fraca que as outras (a rodada). Não tem como não ser. Principalmente por causa de ser gás e ser em terra. Não vai ser igual à R11, que tinha áreas altamente promissoras na Foz do Amazonas, que tinha áreas no Espírito Santo altamente promissoras. Existe um desafio de explorar gás em terra no Brasil. O desafio existe, está posto, só que em sendo ultrapassado esse desafio, pode ter um prêmio muito bom. Mas você sabe que na sexta rodada (2004) nós chegamos e dizemos o seguinte: nós estamos pretendendo que seja achado gás, e quando dissemos que era gás, as empresas recuaram e não compraram a área que hoje é Franco (mega campo gigante no pré-sal da bacia de Santos), ele não recebeu nenhuma oferta.

Mas não é arriscado vender áreas sem uma regulamentação?

Essa coisa do gás está começando a acontecer no Brasil. Áreas em terra para gás é um cultura que a gente tem que sedimentar. Ela tem um caráter pioneiro. Não vai ter fraturamento agora. O que eu acho interessante é o seguinte. Me parece que o assunto precisa realmente que a sociedade entenda bem o que está acontecendo.

Mas esse assunto não é novo, em 2006 eu estive nos Estados Unidos e a Devon estava furando 800 poços em um ano para achar gás não convencional. Os Estados Unidos já perfuraram 100 mil poços para gás não convencional. Da última vez que eu vi, eram 700 mil barris de óleo do não convencional (produzidos nos EUA).

Mas não teriam mais participantes no leilão se a resolução tivesse saído antes?

Não, porque eu tinha possibilidade disso (gás não convencional) na R11 e ninguém reclamou de falta de resolução. Eu tenho uma rodada em que a Agência Nacional do Petróleo indica possíveis oportunidades exploratórias convencionais e abre um espaço para a discussão de um não convencional. A gente diz que pode existir e pode ser bom. Onde está? Não vi, porque não tenho dados suficientes e você (investidor) tem que coletar.


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