Folha de S. Paulo


Cinco motivos econômicos para esperar novos congestionamentos

São Paulo tem as melhores rodovias do país. E elas são inúteis para evitar congestionamentos como o do último dia 15 de novembro, quando motoristas levaram até 13 horas para chegar ao litoral.

Solucionar os engarrafamentos de feriado é um desafio difícil de vencer para países do mundo todo, como mostra este caderno especial.

Uma das razões é fácil de entender: as rodovias não foram planejadas para suportar saídas em massa de megalópoles como São Paulo.

Em grandes feriados, até 2 milhões de carros chegam a deixar São Paulo. Estima-se que as rodovias atuais suportem, porém, a saída de apenas cerca de 50 mil por hora.

A notícia ruim para o motorista que sofre no trânsito enquanto pensa se chegará a Ubatuba para uma cerveja antes de 2017 é esta: não haveria mesmo justificava econômica para que a capacidade fosse maior do que essa.

Os congestionamentos de feriado representam menos de 1% das horas do ano.

Multiplicar o número de pistas por dez resolveria o problema, mas elas ficariam às moscas no resto do ano, situação que não se paga -exceto se o pedágio fosse de centenas de reais, diz o engenheiro de transportes Horácio Augusto Figueira.

Ele lembra que aqueles tempos em que Caraguatatuba era uma praia virgem e ninguém tinha carro acabaram.

"A demanda explodiu, mas as pessoas são incapazes de entender por que a rodovia para no feriado. Pensam que, se não há semáforo, o fluxo deveria ser eterno. A culpa seria dos motoristas lerdos à frente", afirma ele.

"Não dá para falar 'pago IPVA, o governo tem de me oferecer pista livre até a praia'. Isso só seria possível se o governo destruísse a serra do Mar e fizesse um tobogã de concreto no lugar."

FUTURO DA RENDA

Embora hoje seja vendido quase o triplo de carros no Brasil do que há dez anos, em função da expansão da renda e do crédito, tudo indica que estamos longe do teto de consumo. A renda do brasileiro, por exemplo, ainda é quase quatro vezes menor do que a do americano.

Isso não significa que nada possa ser feito para diminuir o problema. Países europeus, por exemplo, têm usado sensores para reduzir engarrafamentos -ou métodos menos tecnológicos, como não liberar todas as crianças em férias de uma vez só.

No caso brasileiro, estradas de ferro poderiam aliviar tanto o fluxo de cargas quanto de turistas nas estradas.

Veja a seguir cinco razões econômicas para acreditar no congestionamento sem fim.

E quatro formas de aliviá-lo.

*

1. Política de incentivo gerou recorde de carros, e não há como vencer as leis da física - Em dez anos, o número de carros novos vendidos no Brasil mais que duplicou, na esteira da política do governo Dilma de incentivar a indústria, cortando imposto. Veículos mais baratos e renda média mais alta levaram a recordes de frota. As estradas, por sua vez, não são projetadas para fluxo de pico (em nenhum lugar do mundo). Como o funil é o mesmo, mais carros em viagem só podem significar mais tempo para fluir

2. Investimentos em rodovias tendem a priorizar o interior, forte produtor agrícola e industrial - As melhores rodovias estão concentradas no interior, mas há muito mais gente querendo passar o feriado em Ubatuba do que, digamos, em Santa Barbara do Oeste. O interior foi privilegiado pelo fator econômico -pessoas gostam de praia, mas a produção industrial e agrícola, que enche os cofres do país, não segue necessariamente as mesmas rotas­. Além disso, há o relevo: fazer rodovias na Serra do Mar é caro. Assim, embora as dez melhores rodovias do país passem pelo Estado de São Paulo, nenhuma vai ao litoral.

3. Os caminhões nunca saem do caminho - O Brasil optou pelas em rodovias. Mas nem sempre foi assim. Há 100 anos, entre 1904 e 1913, construímos 8.604 km de ferrovias. Dá uma média de 2,4 km por dia, feitos na base do lombo de burro e da carroça.

Depois, jogamos quase tudo fora e, incrivelmente, apesar da tecnologia disponível, somos incapazes de criar uma rede que desafogue as rodovias do transporte de carga e ofereça uma opção aos passageiros. Uma alternativa proposta -mas impopular- é reservar, nos feriados, uma faixa rápida para ônibus de linha e fretados -cada um tira de circulação mais de 20 carros.

4. Burocracia e informalidade dificultam renovação da caminhões velhos - Motoristas autônomos, sem bens ou renda comprovada para viabilizar o financiamento, não conseguem aproveitar políticas que incentivam a troca de caminhões velhos por novos.

O Pró-Caminhoneiro, lançado em 2007 para renovar os veículos, não conseguiu reduzir significativamente a idade da frota, até porque veículos velhos são revendidos e continuam circulando. Responsáveis por cerca de metade dos veículos que trafegam no Brasil, os autônomos dirigem máquinas gastas, que quebram mais e são mais propensas a sofrer ou provocar acidentes. Dados da Confederação Nacional dos Transportes indicam que os caminhões do país têm 19,3 anos. Em média.

5. Até países campeões em infraestrutura sofrem nos feriados - Nem os países sempre citados como paradigmas de investimento em infraestrutura escapam. Nos Estados Unidos, um exemplo é o caminho entre Boston e a praia de Cape Cod. São cerca de 110 km, aproximadamente a mesma distância de São Paulo a Santos.

Embora Boston seja muito menor que São Paulo, no feriado de 4 de julho deste ano os motoristas levaram até oito horas no percurso.

Na China, onde os congestionamentos duram dias, os passageiros descem dos carros para fazer exercícios, passear com o cachorro e até para jogar algo parecido com o frescobol com os motoristas vizinhos.

Isso porque nos feriados nacionais chineses quase 100 milhões de pessoas saem às rodovias ao mesmo tempo -um mar de gente para os padrões brasileiros, mas ainda menos de 10% da população do país.

Situação caótica acontece em feriados na Alemanha, conhecida por suas estradas excelentes, e na França.


Endereço da página: