Folha de S. Paulo


Indústria chinesa sofre pressão com alta de custo e moeda valorizada

Posicionada diante de centenas de mochilas de cores brilhantes, cada qual portando o nome de um país famoso pelo futebol, uma mulher de meia-idade da província de Fujian se preocupa com a pressão sobre suas ínfimas margens de lucro.

Pouco antes do almoço no dia de abertura da terceira fase da Canton Fair --um grande evento comercial realizado na cidade de Guangzhou, capital da província de Guangdong, sul da China--, a sra. Lin não havia conseguido encomenda nenhuma.

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"Há pouca gente circulando, e eles só querem olhar", diz Lin, que foi obrigada a dobrar o preço de suas mochilas, para cerca de US$ 6, de 2011 para cá, a fim de compensar a alta nos custos de mão de obra e na moeda chinesa.

"Isso é um problema, e os salários dos operários também estão subindo... [mas] os clientes insistem em que eu mantenha o preço antigo", diz Lin, que pediu que eu a identifique por um pseudônimo, na reportagem.

Realizada em Guangzhou, no coração do delta do rio Pérola --lar de uma larga teia de cidades industriais que incluem Dongguan, Shenzhen e Foshan--, a Canton Fair é um evento semestral que atrai cerca de 190 mil compradores de mais de 200 países e os coloca em contato com cerca de 25 mil industriais chineses.

A apenas duas horas de trem de Hong Kong, a feira ocupa uma área de 1,1 milhão de metros quadrados --o equivalente a 880 piscinas olímpicas-- e oferece toda espécie de produtos e serviços, de um gigantesco McDonald's para os visitantes que talvez gostem mais dos produtos que da comida chinesa a uma mesquita para atender os visitantes muçulmanos.

Em companhia dos demais expositores da 114a Canton Fair, a sra. Lin está em uma encruzilhada da economia mundial na qual a fraca demanda do Ocidente --e mais recente do sudeste asiático-- cruza o caminho da alta de custos na China. Essa mistura ajudou a causar uma queda nas exportações chinesas em setembro, o que apanhou todo mundo de surpresa.

Sean Mahon, diretor-executivo de uma companhia irlandesa chamada Brandwell, que controla diversas grifes de acessórios, frequenta a Canton Fair há 20 anos e diz que seus fornecedores estão aumentando em 20% a cada ano os preços para os 3.000 produtos --de guarda-chuvas a roupas de baixo-- que ele adquire na China.

Para muitos dos pequenos industriais presentes na Canton Fair, lidar com a alta do yuan é especialmente difícil porque eles não têm como fazer hedge contra a flutuação cambial. Glenn Stephens, diretor-executivo de uma fabricante de confeitos em Dongguan que fabrica pastilhas de hortelã para as lojas do time de futebol Manchester United, diz que o avanço da moeda chinesa significa que "todo mundo está sob pressão".

Na abertura da Canton Fair, Liu Jianjun, diretor-assistente do Centro Chinês de Comércio Exterior, disse que os organizadores estavam encorajando as empresas a negociar em yuan, a fim de reduzir a pressão sobre os fabricantes, boa parte dos quais só recebem pagamentos depois de entregar os produtos, muitos meses depois de receberem os pedidos.

A mudança é parte do esforço mais amplo do governo para internacionalizar o uso da moeda chinesa. O jornal oficial em língua inglesa "China Daily" no mês passado informou que 17 mil companhias de Guangdong haviam passado a conduzir transações em yuan, de 2009 em diante.

Fan Dan, funcionária da L&O Army, uma companhia que fabrica roupas e bolsas em estilo militar, diz receber positivamente a campanha pela negociação em yuan. Mas explica que poucos dos clientes de sua companhia têm capacidade para liquidar transações em yuan porque não contam com escritórios na China que os ajudem a conduzir o processo. "Temos de aceitar o fato."

Embora a mistura de salários mais altos nas fábricas, uma moeda local mais forte, crescente concorrência interna e fraca demanda mundial cause danos aos números de exportação chinês, o sofrimento real fica para pequenas empresas, como a Ambassador, uma fábrica de malas em Shenzhen que produz bagagem para Benetton e a espanhola Gambol.

Em um grande estande na Canton Fair, Lu Wei, vendedor da Ambassador, conta que sua companhia produziu 50 mil malas para a Benetton no ano passado, ante as 200 mil ao ano que produzia antes da crise financeira mundial.

A pressão dos clientes por corte de custos também significa um aperto de margens de lucro que reduziu a apenas US$ 10 o lucro da empresa sobre um conjunto de três malas que ela vende por US$ 80, e que certamente é revendido por valor muito mais alto no exterior.

Da mesma forma que empresas ocidentais buscam o mercado da China para vender seus produtos em um período de demanda fraca em outros mercados, a Ambassador cinco anos atrás começou a vender malas na China --um mercado em crescimento, já que milhões de chineses fazem suas primeiras viagens ao exterior a cada ano--, a fim de compensar a queda da demanda europeia. O mercado chinês já responde por 30% das vendas da companhia. "Queremos construir nossa marca", diz Lu.

A Ambassador não é a única a ver forte futuro na China, especialmente porque o país está deixando de ser uma economia movida pelo investimento e se tornando uma economia na qual o consumo contribui mais para o crescimento. Esse é justamente um dos pontos de discussão da reunião que o Partido Comunista iniciou neste sábado, 9, e que traz a expectativa de que sejam definidas as reformas socioeconômicas mais significativas em duas décadas.

Arif Sethi, comerciante paquistanês que exibe seus produtos esportivos fabricados na China há 25 anos na Canton Fair, diz que as vendas europeias "caíram dramaticamente" nos cinco últimos anos. Mas ele afirma que o mercado chinês --onde luvas de boxe de couro são seu produto mais popular-- promete "um futuro muito brilhante", com a alta da renda pessoal e com a crescente preocupação das pessoas quanto aos seus corpos.

"[Na China], você só encontra um bom parceiro se tiver corpo bonito. Se só tiver uma personalidade agradável, não vai impressionar."

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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