Folha de S. Paulo


Líderes comunistas confrontam fissuras econômicas da China

O centro de empregos de Wuhan, uma edificação de dois andares, está, como os demais centros de emprego chineses, sempre lotado de jovens tentando descobrir como será seu futuro, em um país no qual o mercado de trabalho ainda prefere operários de linha de montagem que trabalham por longas e monótonas horas acomodados em banquinhos desconfortáveis.

Entre eles está Zheng Yilong, que se formou em uma universidade da cidade três meses atrás e se recusa a considerar a possibilidade de um emprego em fábrica, ainda que seu diploma seja de projeto de máquinas. Ele quer um trabalho de escritório, em lugar disso. E nos estandes dos empregadores estão presentes executivos industriais mais velhos, como Jin Tao, que não encontram maneira de obter os trabalhadores de que precisam.

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"Vejo o problema principalmente como de incompatibilidade educacional", diz Jin. "Estou disposto a oferecer treinamento, mas os jovens com diplomas universitários não desejam trabalhar em fábricas, hoje em dia".

Resolver essa disparidade entre capacitações e expectativas, em Wuhan e no restante do país, é uma das principais questões que os líderes chineses enfrentarão ao se reunirem sábado em Pequim. Eles participação de uma reunião de quatro dias, a Terceira Plenária, que deve ditar o tom para as decisões políticas e econômicas chinesas nos próximos cinco anos.

Discutirão se devem ou não reduzir os impostos sobre o consumo, desregulamentar os bancos e mercados cambiais e dissolver monopólios estatais que retardaram o crescimento em setores importantes como as telecomunicações. O tema comum a todas essas políticas é como criar uma economia propelida pelos consumidores, e deter a alta acelerada do desemprego entre os chineses jovens e de bom nível educacional.

A China vem dependendo há três décadas de uma onda de construção incansável, quase maníaca, de cada vez mais fábricas, pontes, estradas e torres de apartamentos. Mas isso está resultando em um excedente crônico de capacidade e em escassez aguda de mão de obra.

Em discurso a sindicalistas divulgado na segunda-feira, o primeiro-ministro Li Keqiang afirmou que garantir empregos suficientes para os cidadãos do país era a principal prioridade econômica de seu governo.

"O emprego é a coisa principal para o bem estar", ele declarou. "O governo não deve relaxar em seus esforços por um momento que seja, e precisamos manter o foco quanto a isso. Para nós, crescimento estável tem por objetivo principal manter o nível de emprego".

Plenárias semelhante em 2003 e 2008 resultaram em apelos por uma mudança na direção de uma economia mais sustentável, baseada em consumo maior, mais serviços sofisticados como os de finanças e mais empregos de alta tecnologia. A reunião leva esse nome porque é a terceira assembleia plenária da liderança comunista em cada mandato de cinco anos do Comitê Central; as duas primeiras plenárias envolveram principalmente mudanças de pessoal.

A mudança concreta da política econômica vem sendo lenta apesar das promessas de reforma. Um grande obstáculo para a criação de uma economia baseada no consumo é a baixa renda de toda uma geração de jovens chineses escalados para o papel de consumidores.

Nascidos em um período de crescente prosperidade e em geral filhos únicos, em função da política governamental de apenas uma criança por casal, os jovens de toda a China afirmam consistentemente em entrevistas que não tendem a compartilhar da compulsão de seus pais de economizar para a aposentadoria e para a educação dos filhos. Mesmo assim, dificilmente contam com rendas que permitam que consumam na mesma escala que os jovens europeus e norte-americanos a quem admiram e invejam.

Zheng gasta quase tanto em roupas quanto em aluguel e comida, a cada mês, ele diz. Mas como é comum para uma geração que enfrenta elevado desemprego - 25% ou mais para os formandos recentes em universidades -, ele depende da família e de suas economias para manter o estilo de vida a que está acostumado, enquanto procura o emprego certo. Isso limita seu gasto total. "Quero o emprego para o qual fui treinado, ou minha educação terá sido um desperdício. Não quero trabalhar em uma fábrica", ele diz.

Para complica ainda mais as coisas, muitos jovens estão evitando os empregos menos bem pagos no setor de serviços, além dos empregos industriais. A proporção de jovens com educação secundária entre os chineses está rapidamente se aproximando dos 75%, semelhante ao índice encontrado nos Estados Unidos. O número de universitários formados na China quase quintuplicou de 2000 para cá.

As normas culturais frequentemente desencorajam os alunos diplomados no segundo grau ou universidade de aceitar empregos em fábricas ou mesmo restaurantes. Para muitos jovens, o emprego mais procurado é um posto na burocracia do governo ou do Partido Comunista, já que esses cargos são vistos como capazes de oferecer segurança, salários decentes e benefícios - além das vantagens conferidas pelo exercício do poder, tais como oportunidades especiais de investimento antes de ofertas públicas iniciais, ou às vezes corrupção escancarada.

Zhong Hui, 23, é gerente de um restaurante franqueado, e disse que estava enfrentando dificuldades para encontrar garçons e lavadores de pratos, apesar da oferta de salários de entre US$ 300 e US$ 400 ao mês e de moradia em alojamentos com ar condicionado.

"Não é fácil encontrar trabalhadores, porque as pessoas acreditam de verdade que estar no setor de serviços, servir os outros, é vergonhoso. Os pais tampouco desejam que seus filhos trabalhem no setor de serviços", diz Zhong.

Wuhan é um polo industrial com quase 10 milhões de habitantes, perto do centro do país. A linha ferroviária secular, de mais de mil quilômetros de extensão, que une a cidade a Pequim foi a primeira do país e se tornou um eixo de desenvolvimento econômico, ainda que tenha sido eclipsada no ano passado por uma ferrovia construída em trajeto paralelo, para trens-bala com velocidade de 300 km/h.

O que mantém a economia de Wuhan em atividade é o investimento crescente. Se você dirigir pela cidade de madrugada, ficará surpreso ao encontrar mais de metade dos canteiros de obras iluminados, com os imensos guindastes ainda ativos, enquanto trabalhadores se esforçam 24 horas por dia para construir ainda mais edifícios de apartamentos, estadas e outros projetos.

E o que propele esse investimento é o fluxo ininterrupto de empréstimos de baixo custo pelos bancos estatais. O banco central chinês abriu as torneiras do estímulo monetário a cada vez que a economia começou a se desacelerar acentuadamente, nos últimos cinco anos. Como as demais cidades da China, Wuhan tomou muitos empréstimos para financiar o crescimento local, e o mesmo se aplica às companhias da cidade.

É claro que muitos chineses jovens que encontram empregos bem pagos estão começando a gastar dinheiro. A ginecologista Zeng Danni, 25, tem cabelos longos e usa roupas elegantes, e estava visitando uma concessionária Ford em Wuhan recentemente com uma amiga e o marido desta, em busca de um carro esporte, em um tom de azul que ele considera bonito e jovem.

"Não vou financiar a compra, porque os juros são altos demais. Estou comprando com a nossa poupança", ela diz, acrescentando que "meu marido trabalho com projetos de segurança de edificações, e ainda não temos filhos".

Os jovens chineses talvez continuem a ter mais sorte do que muitos jovens ocidentais, já que pelo menos há empregos disponíveis, mesmo que na indústria ou em restaurantes. Mas sem mudanças maiores de política econômica, os economistas questionam como a China produzirá empregos desejáveis em número suficiente para reduzir o desemprego, especialmente entre os formandos universitários, grupo que está entre os mais politicamente instáveis do país.

"Se você aceita qualquer emprego, certamente vai conseguir um cargo - mas não pode ser seletivo", disse Zheng. "Creio que existe uma incompatibilidade entre os empregos disponíveis e aqueles que estou procurando".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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