Folha de S. Paulo


Análise: China muda foco para atrair inovação de fora

A China cresceu nos últimos 30 anos com uma elevada contribuição das multinacionais. Usando mão de obra barata e facilidades de infraestrutura criadas pelo Estado, as multinacionais montaram no país sólidas bases de exportação para suas matrizes e o resto do mundo.

Esse ambiente vem se alterando. Os salários estão cada vez mais elevados. Empresas como a Adidas, por exemplo, fecharam a produção na China para cortar custos.

À parte custos, a vigilância ambiental está mais rigorosa, há maior regulação da atividade fabril, e cidades avançadas, como Xangai, interessam-se em acolher apenas quem aporta tecnologia.

A fronteira para empresas industriais tradicionais está se deslocando paulatinamente para o oeste, para lugares como Wuhan, na província de Hubei, Chengdu, na província de Sichuan, ou Chongqing, cidade-Estado na fronteira de Sichuan.

Chengdu, em 2013, hospedou o foro das 500 maiores empresas da "Forbes" e caminha para se tornar um dos polos industriais vibrantes do país. Quem a visita hoje vê a efervescência que se via no leste da China há dez anos.

As multinacionais ainda são grandes exportadoras, mas seu interesse volta-se crescentemente para o mercado interno. As que entram hoje na China objetivam, sobretudo, garantir uma fatia de participação no futuro mercado consumidor.

Há também as que operam em algum segmento do setor de serviços, que, de modo geral, está bem mais atrasado que o manufatureiro e oferece oportunidades atraentes.

Um exemplo muito citado é o da Dreamworks, de Steven Spielberg, que se associou a três parceiros chineses para criar, em Xangai, a Oriental Dreamworks.

Ao lado dela, há empresas de arquitetura, desenho gráfico, educação, que estão chegando em número crescente, enquanto segmentos como bancos, hospitais, seguradoras e fundos de investimento estão na fila, esperando maior abertura para ingressar ou flexibilidade para operar com mais liberdade.

De maneira geral, as regras para o ingresso de empresas estrangeiras são claras.

O governo publica regularmente onde se pode ou não investir e em que setores é requerida alguma associação com capitais nacionais. A gaveta do setor público às vezes parece funcionar também, mas essa não é a regra.

Abrir uma empresa inteiramente estrangeira leva em torno de quatro meses. Não há diferenças no tratamento tributário entre estrangeiras e nacionais, embora as nacionais possam, aqui e ali, gozar de vantagens não totalmente transparentes.

Há algum tempo, algumas multinacionais têm reclamado de regras que favorecem empresas locais em concorrências públicas ou que complicam suas operações.

Os chineses poderão se tornar crescentemente ciosos do propósito de preservar o espaço interno para investidores nacionais. Uma coisa é ver empresas chegando para ajudar a garantir receita de exportação, outra, concorrer com empresas locais.

Em contraposição, há que considerar que a China é um país relativamente aberto comercialmente. Pode, no longo prazo, seguir a mesma direção para investimentos.

Além disso, diversas empresas chinesas estão investindo pesadamente em centros de pesquisa e desenvolvimento em países como Alemanha e EUA.

Buscam importar a inovação de suas filiais e manufaturar em casa. Essas empresas ganharão musculatura para concorrer com competidores vindos de fora e ganhar a parada.

É difícil antecipar o que ocorrerá mais adiante. Talvez as próprias autoridades chinesas não saibam.

Uma China fechada ao investimento seria um contrassenso. Uma China totalmente aberta parece incompatível com os projetos nacionais.

O que se afigura mais provável é uma China mais seletiva para o investimento externo, voltada para construir um parque industrial moderno, atrair inovação e encorajar investimentos em setores que possam aportar maior segurança à população, como o de alimentos ou o farmacêutico.

MARCOS CARAMURU DE PAIVA, diplomata, é sócio e gestor da Kemu Consultoria, com sede em Xangai. Foi cônsul-geral do Brasil em Xangai, embaixador na Malásia, secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda e diretor-executivo do Banco Mundial.


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